sábado, 23 de maio de 2009

POESIA COMENTADA

A leitura do poema

Lêdo Ivo

Eis o modo certo de ler um poema: com um olho fechado e o outro aberto.

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Comecei a me interessar pela obra de Lêdo Ivo desde o primeiro poema que li dele: Conselho a um jovem poeta. Foi paixão à primeira vista, identificação plena. Aos poucos, aqui e ali, fui travando maior contato com os textos de Lêdo, até que, em 2005, Mauro Salles me presenteou com a obra completa do poeta, um livro que, apesar de ser contemporâneo, já é um clássico para mim, no sentido da definição de Italo Calvino, escritor cubano-italiano: “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Relendo-o – como sempre faço – eis que há poucos dias descobri este primor, que me fez parar e refletir sobre a delícia da linguagem poética, e o alcance do jogo de sentidos que ela é capaz de tecer. Ler um poema com um olho fechado (de sonho, divagação, meditação, reflexão) e o outro aberto (atento às entrelinhas, às estereotipias e aos discursos que ele traz consigo), é, certamente, um dos modos de analisar ao mesmo tempo emoção e técnica, sem privilegiar nenhum dos dois elementos: o olho fechado intui, interpreta, associa, o olho aberto perscruta, observa, questiona. No entanto, o poema apenas sugere tudo isto e aí é que reside toda a ironia sutil e ferina dele: quem o lê, literalmente, vai pensar que o título deveria ser substituído por "Exame de vista"... No entanto, até por este caminho aparentemente simplista e pouco elaborado, o ângulo crítico é capaz de surpreender, pois a poesia pode (e deve) ensejar um reexame em nossa visão, ou em nosso modo proposital de, tantas vezes, fecharmos o olho "melhor", e abrirmos o que vê menos – por comodismo, cansaço ou desânimo. Enquanto Conselho a um jovem poeta fala da emissão, da elaboração poética, A Leitura de um poema dirige-se à recepção, à repercussão do texto por parte do leitor. E ambos me fazem sorrir, não por serem poemas-piadas (aliás, nunca encontrei nenhuma anedota nos exemplos que ilustram esta classificação, estranhíssima portanto para mim), porém por serem tessituras que, de forma lúdica, costuram profundas questões vivenciais, teóricas e práticas.

6 comentários:

Márcia Sanchez Luz disse...

Leila querida, que interessante esta sua análise do poema de Lêdo Ivo!
O "olho fechado" seria, na Programação Neurolinguística, o hemisfério direito do cérebro, a porta de entrada da construção do conhecimento através da intuição, da emoção, mas pouco desenvolvido na civilização ocidental. Já o "olho aberto" corresponderia ao hemisfério esquerdo, que percebe o mundo a partir da razão.

Que a vida seja lida desta forma!

Parabéns pela leitura e parabéns ao Lêdo pelo poema!

Beijo vocês dois, com meu carinho,

Márcia

Leila Miccolis disse...

Sim, há também que se pensar nisso: ler um poema é exercitar os dois hemisférios cerebrais, sem achar um deles maior, melhor ou mais importante do que o outro. Acho que é por aí mesmo: a leitura atenta de uma poesia envolve todos os sentidos, e órgãos, e ossos, e nervos, e articulações, e cartilagens e veias... Gostei.
Beijos, Leila

Tânia Du Bois disse...

Querida Leila, Lêdo Ivo é uma "paixão"; não leio a sua poesia, eu a vejo. "Com o olho aberto" vejo no poema cada detalhe, "com o olho fechado" ele me ilumina, tornando tudo perfeito; a sua luz fica sobre mim o tempo todo. O poema de Lêdo Ivo não combina com "qualquer olhar", tem uma linha exclusiva e completa, que me emociona. Concordo com Max Martins, quando diz: "Tu que me lês, tu me vês...". Beijos, Tânia.

Leila Miccolis disse...

Tânia, querida, belo comentário este seu, de quem tem sensibilidade à flor da pele. Sim, concordo: há sempre uma visualidade nos poemas que gostamos, com toda certeza. Visão, tato, gosto, música e até cheiro... Todos os sentidos trabalhando em conjunto para maior compreendermos o mundo através da poesia. Obrigada pela sua interessantíssima mensagem, beijos, Leila

gvieira disse...

leila,

digo: ler o poema com os olhos fechados e abrir outros.

gvieira

Leila Miccolis disse...

GVieira, realmente seria ótimo se, de olhos fechados, a poesia conseguisse despertar nosso terceiro olho místico para sermos mais sensíveis, mais criativos e mais espiritualizados.
Obrigada pela sua presença, Leila.

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