terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Do siso ao riso ou Pisei no rabo do gato


Uma vez foram perguntar ao grande cineasta Fellini, o que ele achava da frase que seu feroz rival Visconti afirmara, bombástica e provocativamente: "Todo mau diretor tinha o nome terminado em "INI". Fellini riu gostosamente e revidou com bom-humor: — “Isto só pode ser coisa do Viscontini"...

O episódio me veio à tona quando, há algumas semanas, ouvi alguém parodiar a mesma frase do italiano, só que se referindo a um diretor de televisão brasileiro... Alfinetadas (alheias) à parte, acho o humor essencial nas respostas, no trabalho e principalmente nas artes. Desde criança ouvimos dizer: "muito riso é sinal de pouco siso". Portanto, de alienação, de imaturidade. Começamos desta maneira nosso aprendizado para a tristeza: mas, por quê tem que ser assim?

"O Nome da Rosa", de Humberto Eco, gira em torno de um livro filosófico (extremamente sério) que debatia justamente o riso. É que este, afrouxando a rigidez, exerce uma crítica antiformalista e propicia um desmoronamento de dogmas, o que — para os ascetas moralistas — levaria ao caos. Mais do que ameaça, um perigo mortal.

Há risos de zombaria, de desdém, de pretensa superioridade, de falsidade, e vários outros intencionalmente destrutivos; porém rir, ato exclusivamente humano — como a fala —, não pode ser considerado um mal em si. No ocultismo, o riso é força poderosa contra certos feitiços (lá vem cinema de novo: lembram-se, das Bruxas de Eastweek?). No cotidiano, ele relaxa toda a musculatura e predispõe a pessoa a desamar-se, ou, como diria Reich, a destensionar sua armadura corporal. Nietzsche afirmou: "não acredito num homem que não saiba rir".

No Brasil, reaprendemos a rir em um período paradoxalmente muito mal-humorado (talvez e principalmente por isso). A partir de 1964, sobressaíram o humor negro dos cartuns, o humor corrosivo das charges, dos quadrinhos, das tiras, do FBAPA (Festival de Besteira que Assola o País, através do livro de autoria do jornalista Sérgio Porto). Esta prática também atingiu a poesia, conforme expôs Nicolas Behr, um dos representantes da Geração Mimeógrafo: "Sarcasmo sempre foi fundamental. Só ele tira este ranço de capitanias hereditárias e acaba com o discurso e com a retórica na poesia". Leminski também fala de "RIR", como característica desta poesia que estreitou parentesco com o humor, em geral considerado "estilo menor" em relação à poesia séria e intimista.

É compreensível, em uma sociedade que privilegia mais a sobrevivência do que a vivência, que o riso, a alegria, a busca do bem-estar assuste e por vezes seja até condenada; mas já é tempo de entendermos a revolução do riso, vendo-o como uma postura lúdica saudável, e até terapêutica, em vez de exaltarmos uma vida doentiamente carrancuda e desprazerosa, embebida exclusivamente em lógica formal, mantida em formol.


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