
TELEGRAMA
Mamãe morreu
Ficamos
Envergonhados
CHUVAS
Algumas pessoas
morreram
num dia rude de dezembro
depois das
chuvas
Pela televisão as imagens
da cidade afogada
Algumas pessoas morreram
fazendo os gestos estranhos
dos que pedem socorro
Eunice Arruda
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Conheci a poesia de Eunice em 1978, quando Geir Campos me indicou-a para integrar a antologia que organizei sob o título “Mulheres da Vida” (Ed. Vertentes/SP, do jornalista Wladyr Nader). O impacto de sua lírica nada convencional me mobilizou, de imediato.
Eunice tem haicais belíssimos, muitos deles constantes da obra "Natureza - Berço do Haicai - Kigologia e Antologia", organizada por H. Masuda Goga e Teruko Oda (1996). Porém preferi postar dois poemas que enfocam a morte de maneira rara, e que sempre me tocam profundamente quando os releio. O primeiro (Telegrama) foi publicado pela nossa Editora Blocos, no livro À Beira (1999). Em pouquíssimas palavras, o poema estampa a morte como se fosse um ato culposo e indecente, diante da qual as pessoas devem envergonhar-se. Com minha mania de telenovelista, fico me perguntando quem era essa mulher morta (cuja única "falha" em sua vida perfeita talvez tenha sido esta) e quem são seus filhos, que praticamente pedem desculpas por ela ter "fraquejado" e morrido... Esta relação familiar é repleta de conflitos, preciosa, e enseja múltiplas interpretações.
O segundo poema, "Chuvas", foi publicado em nosso portal na Saciedade dos Poetas Vivos nº 2 , e nele, novamente, vemos Eunice utilizar-se de uma intensa ironia poética trágica, de uma crítica ferina ampla, envolvendo o desamparo da população, o estado de calamidade pública vivida diariamente pelos cidadãos, o desinteresse dos políticos, e, principalmente, a exploração televisiva das tragédias (filma-se, em vez de ajudar-se), gerando um alheamento, como se o desespero visto/assistido à distância fosse apenas uma simulação, mera "verossimilhança" com a realidade, pequeno detalhe de um espetáculo, cuja semelhança com a vida pode passar desapercebida.
10 comentários:
Tão tarde da noite, tão cedo do dia, eis que encontrei este seu blog tão bom! Vi você, Leila, certa vez, aqui em Natal, faz tempo. Gostei de revê-la aqui. Um abraço.
Lembro-me de você sim, tudo bem? Obrigada pelas suas palavras e pela sua reaproximação, espero que a partir de agora não nos percamos mais de vista. Abraço, Leila
É, querida...infelizmente assistimos às tragédias como se as mesmas fossem fatos banais, sem qualquer importância em nossas (também banais, neste aspecto) vidas.
Parabéns pela escolha e pela leitura sensível destes poemas de Eunice Arruda.
Eunice, parabéns. Estou encantada com seu trabalho.
Beijos carinhosos
Márcia
Márcia, são realmente lindos estes poemas da Eunice, não? Tão assustadoramente lúcidos... Obrigada por seu belo comentário também, que complementa, em prosa, o que os textos poetizam. Muitos beijos, Leila
excelentes comentários de dois excelentes poemas...
Instigantes poemas !
Preciosa apreciação, Leila, a nos colocar lucidamente frente à realidade e ao back stage do fazer poético...
Parabéns pela escolha, obrigada por compartilhar seu ponto de vista conosco !
Rogel, meu amigo, hoje vou de jargão velho, porém sincero: obrigada pela parte que me toca... rs Bj, Leila
Clarice, agradeço-lhe também pela presença e pelo seu elogioso comentário. Com carinho, Leila
Olá Leila, conheci a poesia de Eunice Arruda há pouco tempo, ou melhor dizendo, estou conhecendo ainda. Para mim é incrível a escrita dela, me fascinou logo de cara. Gostei muito de encontrar mais esses dois poemas aqui e o seu lindo comentário sobre eles, parabéns!
Um Abraço,
Geraldo.
Oi, Geraldo, que bom que a poesia da Eunice nos aproximou. Obrigada pelo comentário, Eunice é uma poeta muito especial para mim. Abraço, Leila
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