sexta-feira, 13 de novembro de 2009

POESIA COMENTADA

TELEGRAMA Mamãe morreu
Ficamos
Envergonhados CHUVAS Algumas pessoas morreram num dia rude de dezembro depois das chuvas Pela televisão as imagens da cidade afogada Algumas pessoas morreram fazendo os gestos estranhos dos que pedem socorro Eunice Arruda =-=-=-=-=-=-=-= Conheci a poesia de Eunice em 1978, quando Geir Campos me indicou-a para integrar a antologia que organizei sob o título “Mulheres da Vida” (Ed. Vertentes/SP, do jornalista Wladyr Nader). O impacto de sua lírica nada convencional me mobilizou, de imediato. Eunice tem haicais belíssimos, muitos deles constantes da obra "Natureza - Berço do Haicai - Kigologia e Antologia", organizada por H. Masuda Goga e Teruko Oda (1996). Porém preferi postar dois poemas que enfocam a morte de maneira rara, e que sempre me tocam profundamente quando os releio. O primeiro (Telegrama) foi publicado pela nossa Editora Blocos, no livro À Beira (1999). Em pouquíssimas palavras, o poema estampa a morte como se fosse um ato culposo e indecente, diante da qual as pessoas devem envergonhar-se. Com minha mania de telenovelista, fico me perguntando quem era essa mulher morta (cuja única "falha" em sua vida perfeita talvez tenha sido esta) e quem são seus filhos, que praticamente pedem desculpas por ela ter "fraquejado" e morrido... Esta relação familiar é repleta de conflitos, preciosa, e enseja múltiplas interpretações. O segundo poema, "Chuvas", foi publicado em nosso portal na Saciedade dos Poetas Vivos nº 2 , e nele, novamente, vemos Eunice utilizar-se de uma intensa ironia poética trágica, de uma crítica ferina ampla, envolvendo o desamparo da população, o estado de calamidade pública vivida diariamente pelos cidadãos, o desinteresse dos políticos, e, principalmente, a exploração televisiva das tragédias (filma-se, em vez de ajudar-se), gerando um alheamento, como se o desespero visto/assistido à distância fosse apenas uma simulação, mera "verossimilhança" com a realidade, pequeno detalhe de um espetáculo, cuja semelhança com a vida pode passar desapercebida.

10 comentários:

Nivaldete Ferreira disse...

Tão tarde da noite, tão cedo do dia, eis que encontrei este seu blog tão bom! Vi você, Leila, certa vez, aqui em Natal, faz tempo. Gostei de revê-la aqui. Um abraço.

Leila Miccolis disse...

Lembro-me de você sim, tudo bem? Obrigada pelas suas palavras e pela sua reaproximação, espero que a partir de agora não nos percamos mais de vista. Abraço, Leila

Márcia Sanchez Luz disse...

É, querida...infelizmente assistimos às tragédias como se as mesmas fossem fatos banais, sem qualquer importância em nossas (também banais, neste aspecto) vidas.
Parabéns pela escolha e pela leitura sensível destes poemas de Eunice Arruda.

Eunice, parabéns. Estou encantada com seu trabalho.

Beijos carinhosos

Márcia

Leila Miccolis disse...

Márcia, são realmente lindos estes poemas da Eunice, não? Tão assustadoramente lúcidos... Obrigada por seu belo comentário também, que complementa, em prosa, o que os textos poetizam. Muitos beijos, Leila

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

excelentes comentários de dois excelentes poemas...

Clarice Villac disse...

Instigantes poemas !

Preciosa apreciação, Leila, a nos colocar lucidamente frente à realidade e ao back stage do fazer poético...

Parabéns pela escolha, obrigada por compartilhar seu ponto de vista conosco !

Leila Miccolis disse...

Rogel, meu amigo, hoje vou de jargão velho, porém sincero: obrigada pela parte que me toca... rs Bj, Leila

Leila Miccolis disse...

Clarice, agradeço-lhe também pela presença e pelo seu elogioso comentário. Com carinho, Leila

Anônimo disse...

Olá Leila, conheci a poesia de Eunice Arruda há pouco tempo, ou melhor dizendo, estou conhecendo ainda. Para mim é incrível a escrita dela, me fascinou logo de cara. Gostei muito de encontrar mais esses dois poemas aqui e o seu lindo comentário sobre eles, parabéns!

Um Abraço,
Geraldo.

Leila Miccolis disse...

Oi, Geraldo, que bom que a poesia da Eunice nos aproximou. Obrigada pelo comentário, Eunice é uma poeta muito especial para mim. Abraço, Leila

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