domingo, 23 de janeiro de 2011

Surfando o estresse...

Há algum tempo, uma artista famosa declarou que, ao fazer seu check-up anual, "descobrira" através de seu médico que estava com estresse... Que me desculpe a beldade, mas não era então um estresse tão grande assim. Devia ser um estressinho de nada, já que, o de derrubar-quarteirões, a gente diagnostica por conta própria; e, já que este esgotamento (físico e/ou emocional) provoca um considerável aumento de adrenalina, resolvi fazer, neste verão, um minitutorial, baseado em meu autoaprendizado, para surfar o estresse, no intuito de tentar evitar sermos ou derrubados por “caixotes”, ou bebermos muita água salgada, ou entrarmos no redemoinho das ondas gigantes.

Primeiro sinal (ou sintoma): começa-se a perceber o cansaço a partir dos inocentes barulhos diários, que de repente aumentam de volume, irritando o pavilhão auricular. O liquidificador, então, enlouquece, e as vozes humanas agridem. Tenta-se fugir deles, mas sempre esbarramos com a televisão, com o latido do cão do vizinho, com o martelo, com o ranger da porta empenada da sala.

A luz também passa a incomodar. Como os gatos, você fecha os olhos para diminuir a claridade, e fica-se contanto os minutos para chegar a noite, porque ela parece mais amena, serena e silenciosa, certo? Errado. Quando você se deita, a insônia dialoga com você o tempo todo, e é realmente inacreditável como ela tem assunto... Quando ela para, já é quase hora de você se levantar, mais esgotado ainda.

O bom-humor tende a hibernar, até porque ser “alegrinho” nos tempos atuais é desprender enormes somas... de energias. Você começa a não querer encarar perguntas difíceis, embora a toda hora formule questões complexas, do tipo: por quê toda rosquinha tem um buraco no meio? Por quê ainda não inventaram uma rede com controle remoto? Naturalmente não convém tumultuar muito o cérebro tentando achar as respostas; e procure também não pensar obre a morte da bezerra, porque, neste caso, além de estressado, você pode ficar deprimido. Mude o foco rápido, antes que seja tarde demais.

Exaurido, você pensa em largar tudo e viajar, para não fazer nada; mas, ao mesmo tempo, trabalha cada vez mais, até para poder arcar (algum dia) com a realização do seu sonho de viagem...

Na hipótese de você ser um estressado agressivo, cuja reação é a de brigar com a própria sombra, cuidado: é bom não descontar nos pratos ou enfeites da casa, pois, passada a crise aguda, você vai é ter uma recaída por conta (literalmente) dos prejuízos. O melhor é respirar e contar até 10. Se estiver muito fatigado, tente ir até 5 (porém menos de 3 nem vale a pena iniciar a contagem).

Outro sinal evidente de esgotamento é quando o estressado passa a arranjar as desculpas mais mirabolantes para não sair de casa, mesmo que elas soem absurdamente falsas; não importa, qualquer coisa é melhor do que a ameaça de movimentar-se em direção à rua. Você resiste a ir à praia, festa e cineminha, mas se magoa dos outros irem sem você, tão animados e bem dispostos. Neste momento provavelmente vai achar que há algo de errado com você, talvez falta de alguma vitamina... Você pensa então em reagir, energizar-se com saudáveis sucos, por exemplo; mas, logo no primeiro impulso, ao abrir a geladeira e ver a manga ou o abacaxi, desiste no ato, imaginando a imensa trabalhalheira que será ter de descascá-los.

Caso fique em casa, numa boa, se o estressado em questão é dado à literatura, aproveitará os erros de digitação, as trocas de letras das palavras, fato comuníssimo nas épocas de maior fadiga, e as transformará, posteriormente, em textos cheios de “sacadas geniais”... É o lado criativo do estresse.

O estressado não quer papo, não tem a menor vontade de conversar; aliás, como já disse de início, as vozes humanas de repente lhe soam estranhas, e é comum ele flagrar-se olhando para a boca do seu interlocutor, como se assistisse à mímica de um playback. Como você não é do tempo do cinema mudo, a primeira vontade é a de pedir para a outra pessoa calar-se, mas, ainda bem que se contém a tempo, para não ser chamado de mal-educado. De qualquer forma, suas respostas são lacônicas e secas, não por estar zangado, apenas por economizar palavras, e portanto fôlego.

O estressado sente-se febril por dentro e gelado por fora, exatamente o contrário do que deve se sentir um sorvete, com calda quente por cima. Talvez por isso, meio-termo é coisa que ele desconhece. É drástico, sem meias-medidas. Com ele, é tudo ou nada. Ou 8 ou 80. Ou dá ou desce. Nada de nem tanto ao mar nem tanto à terra. Está muito mais para "não vem que não tem" do que para "conversando é que a gente se entende". Este seu modo brusco pode confundir as pessoas, mas é melhor não explicar-se na hora, porque pode acontecer da emenda ser pior do que o soneto – como já nos ensinou Bocage.

Por fim, um dos sintomas mais característicos do estressado é a divagação, a mente passeia, viaja, vai longe. Às vezes, a desconcentração é tão grande, que de repente o indivíduo flagra-se mexendo no mouse, movimentando-o na tela para baixo e para cima, de lá para cá, perguntando-se o que estava fazendo ali, diante do computador. Calma, nada de pânico: mesmo que demore um pouquinho, aos poucos a memória volta e você se recorda afinal, triunfante, de que estava tentando escrever uma  crônica...

Eu não sei se este minitutorial pode ajudar alguém a se equilibrar em cima de uma prancha (ou melhor seria dizer tábua de salvação?) em movimento. Espero que sim, que ele, pelo menos, dê maior leveza a este perigoso esporte que é o viver. Porém, se ele não serviu nem para você esboçar um imaginário sorriso, sugiro, se os sintomas persistirem, consultar um médico, que provavelmente diagnosticará o que você já estava cansado (literalmente) de saber... 

Leila Míccolis


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