sábado, 1 de setembro de 2012

Meu novo Jornal Literário na web

De uns dias para cá, meu paper li transformou-se em Jornal Literário, com atualizações diárias. É um jornalismo diferente, em que apenas escolho os temas genéricos a serem abordados (culturais: literatura, saúde, ecologia, entretenimento, artes e afins) e a programação do gmail procura e disponibiliza as notícias automaticamente; então, todo dia, o noticiário é sempre uma surpresa, inclusive para mim, que me divirto muito com esta situação, de esperar a próxima edição, um tanto às cegas. Não totalmente: alguma notícia que eu não queira ou que não esteja dentro da linha editorial traçada por mim, posso eliminar, e tenho feito; porém ainda não consigo acrescentar notícias que eu ache interessantes — com o tempo aprenderei. Considero o paper li uma ferramenta bastante interessante, porque ela é direcionada, fornece apenas notícias e informações sobre a sua área de atuação e sobre outras que com ela se interconectam. Se você quiser conhecer, o endereço do meu Jornal Literário é: http://paper.li/leilamiccolis/1308264181

quarta-feira, 18 de julho de 2012

FACE TO FACEBOOK


Eis-me face a face com o Face. Inegável que ele tem sido Não posso esquecer-me de que o Face tem sido importante para certas pessoas (companhia? informação? comunicação?) que um casal paulista registrou o nome do filho de Facebookson, em agradecimento por ambos terem-se conhecido lá (o amor é lindo... embora o garoto, quiçá traumatizado, nunca queira ter filhos na vida). Quanto a mim, resisti por longo tempo a entrar, pelo frenetic show que há nele. Porém estão lá muitos amigos que gostam de conversar pelo Face muito mais do que por e-mail, e decidi participar depois de prestar meu exame de doutorado – o que fiz, exatamente no dia seguinte. Para meu espanto e surpresa, tenho me divertido muito com ele.

Há muito disso: vitrines sem conteúdo, armazéns de frases feitas. Porém até nestas dá para encontrar certa graça, se nos propomos a questioná-las. Outro dia, alguém postou algo do gênero: não seja o sol que brilha, mas o vagalume que ilumina. Comentário meu: “acho que devemos ser os dois, sol de dia e vagalume à noite, porque os brilhos são diferentes”. E pensei: já imaginou só vagalumes de dia? Ia ser muito escuro, igual à noite. (Amo o sol...).

Há também gatófilos e cachorrófilos como eu, então me sinto em casa e tão à vontade que me animei a fazer dois álbuns de fotos: Afetos múltiplos e Eventos inesquecíveis: estes últimos com encontros marcantes, em geral com poetas – tem até Cora Coralina lá: conheci-a em 1982, quando fui a coordenadora do setor de Literatura do Rio no 1º Festival de Mulheres nas Artes (Teatro Ruth Scobar/SP). Aliás, depois que coloquei Coralina, muito mais gente me encontrou no Face. Chamo este fenômeno de brilho por osmose: se você é amigo de quem conhece algum nome famoso, parece que você passa a estar mais perto dessa celebridade. As pessoas “se sentem”. Sentem-se importantes também.

Alguém há de me perguntar: e por quê você quis aparecer ao lado de Coralina: não foi pelo mesmo motivo? Não, o meu foi afetivo, o partilhamento de um momento de grande emoção. Quando vi aquela senhora tão velhinha entrar no Festival (nem sabíamos se ela iria, pois não tinha confirmado a presença) fiquei encantada: ela parecia tão doce quanto os doces que fazia. Caminhava com dificuldades, ajudada por duas amigas. Dei para ela autografar o catálogo do evento, e ela perguntou-me intrigada, sem nem me olhar: - “Você não comprou meu livro?”. Presenteei-lhe com a verdade: “não tenho dinheiro no momento, Cora”. Então ela levantou os olhos muito límpidos, me viu – este instante foi incrível – sorriu para mim (que gracinha!) e disse, como quem faz uma travessura inocente e nova: – “Sabe?, eu nunca autografei um catálogo”... e ficamos conversando um pouco – a fila de  autógrafos era enorme – sobre a “dor e a delícia” de gostarmos de fazer poesia. Depois, ela sugeriu que eu ficasse por ali, perto dela (como se eu pudesse sair... eu estava em estado de transe hipnótico), e de vez em quando, entre uma e outra dedicatória, trocávamos algumas frases, eu e Coralinda.

Falei no início em vitrine mas, em meio a tantas mensagens, observo que a visibilidade pessoal esperada e tão alardeada é um tanto relativa: há que sermos garimpeiros ou entrarmos no Face com o espírito de “caça ao tesouro” ("sem lenço e sem documento", leia-se, sem mapa com pistas); porém, esperta que sou, já sei onde encontrar meus ouros: tenho tido muito prazer em acompanhar as inteligentes postagens do Chico (chequei até a compartilhar uma música através dele), da Ivana, do Zeballos, da Márcia Sanchez, da Leninha, do Braulio Tavares, do Affonso Romano, do Henrique Cairus, da prata da casa – Urhacy Faustino e Mônica Banderas – entre vários outros. Isso me faz pensar no óbvio: o ser humano estraga ou enriquece as redes sociais de que participa. Simples assim.

Leila Míccolis

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Jogamos mesmo fora todo lixo que não presta?



Não sou muito adepta de comentar livros lidos, pois o texto sempre acaba parecendo uma resenha, um resumo, simplificado e superficial. No entanto, mesmo correndo este risco, desta vez quero apresentar para quem não conhece uma obra do francês Michel Serres, filósofo, professor de História das Ciências e membro da Academia Francesa. Chama-se: O Mal Limpo – poluir para se apropriar?  Devo a indicação da leitura deste provocativo texto à jornalista Marli Berg, em uma de suas colunas em Blocos Online. Pelo título percebe-se logo de início que o autor trata de diversos mitos modernos e a forma como o faz é direta, provocante, instigante, fascinante.

Serres mostra que todo animal, pela urina, pelo excremento, pelo sangue e pelo esperma –  conforme o caso –  apropria-se de um local, terreno ou território (que pode ser a territorialidade de um país ou de um corpo). Os cães, os javalis e os gatos urinam para marcar sua passagem; as tribos antropófagas, ao devorarem o inimigo, apossavam-se das qualidades dele – só os guerreiros considerados heróis eram merecedores de tal honraria; nos rituais de sacrifício religioso (ainda hoje) e nas guerras (tradicionais), a terra onde o sacrificado ou o inimigo tomba torna-se sagrada para o vencedor, “legitima-o em sua posse”.

Sujar, no sentido de macular, de marcar presença, pertence ao animal –  ao animal que também somos: a sujeira e a limpeza delimitam a propriedade. Por exemplo: em um hotel (ou motel), após a saída de um hóspede, o próximo a se instalar exige roupas de cama limpas, para que possa apropriar-se e imprimir suas marcas, quaisquer que sejam, mesmo que seja apenas um simples amarfanhado nos lençóis; ninguém se enxuga, também, nas toalhas de outro, ou senta-se em vaso sanitário que não tenha o aviso de que foi higienizado. Não que o escritor preconize uma sociedade ascética – o excesso de limpeza é tão nocivo quanto o seu contrário; não, a direção que ele segue é outra – ao final exporei a proposta dele.

Serres tem o cuidado de observar a Modernidade Líquida (outro livro incrível, do sociólogo Zygmunt Bauman), analisando a poluição suave –  ou seja, sutil –  que mal percebemos de tanto que ela já está impregnada em nosso cotidiano: a poluição da marca e da propaganda –  imagem e som –  que atravessa nosso caminho e entra pela nossa casa. É belíssimo quando ele escreve que os outdoors roubam-nos a paisagem e que o barulho de uma televisão ligada apropria-se da convivência/fala entre as pessoas em um determinado local e até da intimidade do silêncio. Os poluidores sujam o mundo para dele se apropriar. Trata-se de uma expansão desterritorializada, globalizada, sem fronteiras, apropriação que nos faz ter um subjetivo tão poluído quanto o coletivo e o objetivo.

O pensador francês diversifica e amplia o conceito de lixo para inúmeras áreas, e em certo momento chega à indústria automobilística, refletindo sobre suas estratégias e ciladas – tantas vezes imperceptíveis, embora “expostas ao olhar de todos”: [tais setores] “dividem com o comprador a propriedade. São ainda mais espertos, eles ficam com ela!”, pois um carro não anuncia o nome nem o estilo de quem “pensou tê-lo comprado; (...) o que ele anuncia é a marca do fabricante. Pagamos às montadoras o que compramos, mas, de certa maneira, elas ficam com o que vendem. Permanecemos apenas locatários. Somos roubados, mas em troca podemos, enfim, compreender a máxima famosa de Prudhon: A propriedade é um roubo’!”.  E o escritor finaliza, ironicamente, acrescentando que, iludidos, ainda fazemos fila para multiplicar, no sentido de apoiar e fomentar, a publicidade da qual somos vítimas.

O que Serres sugere é encontrarmos o que é próprio de uma sociedade (propre também pode ser traduzido do francês como limpo/limpa, e aqui a ambiguidade de sentidos é importante)), a fim de descobrir o que realmente há nela depois que a desvencilhamos de tsunamis de lixos e de dejetos dos mais variados tipos: industriais, tóxicos, culturais, publicitários, identificadores sociais (carteiras, cartões de crédito, talões de cheques), etc. e tal. Neste contexto atual, de invadir o mundo e ocupar sua extensão, corremos o risco de perder o caminho da hominização, já que vivenciamos inclusive o perigo cada vez maior de sermos locatários do planeta, em vez de o habitarmos de forma responsável, consciente e plena. Então, é o retorno a este processo de hominização que o autor propõe, nem que seja apenas estando atentos ao reconhecimento do lixo que acumulamos e da poluição diária que respiramos (e que nos sufoca) de forma ininterrupta, em diversas áreas, para tentar minimizá-los também dentro de nós. Difícil? Muito. Mas não de todo impossível.

Leila Míccolis

domingo, 27 de maio de 2012

Fui um réptil?

Em criança, nunca me dei bem com brincadeiras do faz-de-conta. Achava um reino um tanto desconfortável, onde a realidade, em confronto com a imaginação, revelava-se frustrante e insuficiente. Para mim, era muito difícil imaginar, nas panelinhas, comidinhas inexistentes, ou então ensinar bonecas mudas, que me olhavam alheias e indiferentes e nunca aprendiam absolutamente nada. Entendo agora que para mim, na época, o faz-de-conta assemelhava-se a certas propagandas enganosas que assistimos hoje na publicidade.

O nunca encenar “teatrinhos” na infância possivelmente marcou muito a minha postura diante da vida, fazendo-me distinguir no dia a dia fantasia da realidade, não para  dicotomizar-me, mas para aprender a trabalhar com os diversos ângulos de mim, simultaneamente: eu e meus múltiplos. Nem sempre é fácil na vida real saber onde acaba o “se” e onde começa o “agora”, talvez porque a realidade, com suas diversas interpretações, pode ser tão fluida quanto a fantasia. No entanto, ciente dos meus mundos paralelos, acabei evitando cair na armadilha de protagonizar papéis na vida real, me tornando uma personagem de mim mesma.

O fato inconteste é que sempre preferi o diálogo com os livros. Eles me mostravam, por exemplo, o habitat dos peixes, cheio de cores, formas e magia. Como eu adorava o colorido mundo submarino com seus animais e sua flora exótica. Antes mesmo de saber ler, eu me deliciava com as ilustrações, imaginando histórias das profundezas abissais. Isto era bem diferente do mero faz-de-conta. O oceano existia, os peixes também, e eu apenas inventava aventuras. Os livros me revelavam o mundo real, enquanto o faz-de-conta me soava como um palco, em que só se encenava monólogos. A ficção, portanto, era uma forma de eu própria transitar pelos universos e não de moldá-los à minha imagem e semelhança. Esta diferença de perspectiva fazia muita diferença. Sempre fez. Nas fotos coloridas havia diversos espécimes de animais, inclusive a tartaruga marinha. Pronto: cheguei onde eu queria.

Falando no facebook sobre meu micro, lento que nem tartaruga, revelei ao Chico Abelha que minha relação com elas era muito pouco amistosa, digamos até conflituosa. Então ele perguntou: “como analisaríamos uma mulher que adora gatos e cachorros, mas tem horror crônico a tartarugas...? rsrsrssrs! freud explicaria?” Devidamente instigada, fiquei de escrever sobre  o assunto: a rara exceção do meu amor aos animais. Não se trata porém de desamor, é bem mais complexo: algo me incomoda profundamente nelas e, ao nos depararmos frente a frente, face a face, olho a olho, ocorre de imediato o processo atração x rejeição: elas correm (maneira de dizer) em minha direção e eu corro em direção contrária a delas. Não me importo com o tamanho: mesmo que você me apresente a mais meiga, suave e menor tartaruga do mundo na palma de sua mão, provavelmente me sentirei ameaçada. Lembro-me de que, uma vez, visitei alguém que tinha um cão feroz e uma tartaruga no quintal, e quando a dona da casa me disse: – “um momento que vou prender o cachorro”, eu pedi: – “não, por favor, prenda apenas a tartaruga”... A gargalhada foi geral, porque se tratava de uma tartaruga minúscula, “inofensiva” segundo sua dona; mas só me senti segura com a tartaruga presa no banheiro – nem preciso dizer que minha visita demorou o mínimo possível para não estressar a tartaruguinha.

Volto ao início: mentira, invenção, teatralização, fantasia, mesmo sendo bem difícil às vezes de perceber a diferença, elas ficam muito claras se as transponho para  minha ligação (des)afetiva com as tartarugas. Vou dar exemplos: mentira é dizer que amo tartarugas. Invenção seria alardear que salvei alguma de morrer devorada por um tubarão; que tirei alguma foto sorrindo acariciando o casco de alguma delas, é pura teatralização (inclusive, se virem alguma fotografia assim, saibam que provavelmente ela foi editada...); e, por fim, trata-se de fantasia quando pratico nado de peito (o tipo de estilo que eu mais gosto) e me sinto como se fosse uma tartaruga marinha, o que ocorre frequentemente. E aí realmente entra Freud, meu caro Chico: até meu próprio signo capricórnio (a cabra marinha) indica que devo ter vindo do mar (meu sonho recorrente é sempre com ele) antes de pisar na terra. Não que eu queira fazer aqui nenhum tipo de regressão, mas pode ser até que em alguma encarnação passada, através da metempsicose transmigratória, eu tenha sido uma tartaruga que acabou virando sopa... (não entro em hipótese alguma em restaurantes que pescam lagostas ou peixes vivos, tipo: pesque e pague); daí se explicaria o total incômodo que sinto ao ver uma tartaruga – revivo a dor ancestral da profanação: ser caçada, morta, esquartejada e comida publica e impudicamente à mesa? – e também minha enorme resistência em sentir prazer de degustar quaisquer tipos de “frutos do mar”..

Leila Míccolis. 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Recentes entrevistas comigo:
  • No Youtube, entrevista para o programa de televisão Imagem da Palavra,  entrevistadora: Guga Barros

http://www.youtube.com/watch?v=uO4iBsFDwy4 - 1ª parte

  • No blog da famosa revista Escrita (agora digital), entrevistador: Wladyr Nader

quinta-feira, 22 de março de 2012

Uma coruja pousou em minha defesa de tese

No dia 20 de março obtive meu título de Doutora em Ciência da Literatura / Teoria Literária. Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida, a coroação de muito esforço e dedicação. Para mim, um acontecimento realmente histórico, em que pude contar, na Banca, com a presença de cinco grandes representantes do pensamento acadêmico brasileiro. Foi uma espécie de prêmio, de consagração, de reconhecimento de uma vida praticamente inteira dedicada amorosamente à literatura. Um enorme turbilhão de emoções tomou conta de mim, desde o branco inicial pela tensão (nunca tinha sentido um branco antes na minha vida, é devastador), até uma presença inesperada, repleta de significantes e significados: uma linda coruja (vivo símbolo da sabedoria) que veio me prestigiar: ei-la silenciosa e discreta pousada na porta do corredor da UFRJ, a apenas dez passos da sala do meu exame, observando, meditando. Incrível? Fantástico? Mágico? REAL.


E, abaixo, a banca examinadora, meus queridos e amados professores doutores da UFRJ:


Da esquerda para a direita: Ana Alencar, Tatiana Ribeiro, Luiz Edmundo Bouças Coutinho, Henrique Cairus, Celina Mello e Rosa Gens.

Realmente sou muito muito muito privilegiada, e só tenho a agradecer a vida por tanto tipo de alegrias simultâneas.

Sim: e agora estou no Facebook: http://www.facebook.com/leilamiccolis

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

POESIA COMENTADA


Conheci Paulo Leminski em um lançamento na livraria Muro, onde havia sempre noites de autógrafos coletivas, na época; em uma dessas noites de 1980 Alice Ruiz estava lançando no Rio seu livro Navalha na Liga. Eu já me correspondia há mais ou menos um ano com ela (por carta mesmo, manuscrita, posta no correio, essas coisas antigas...) e confirmei minha presença. Como sempre o local estava repleto, mal se podia andar, perguntei a diversos amigos onde estava Alice, mas todos só me apontavam para o Paulo, cercado de admiradores. Sentei-me conversando com algum poeta e pensei: deixa diminuir um pouco a multidão que talvez eu a encontre mais fácil. No meio da conversa, eis que chega alguém para mim e diz: — Leila Míccolis? Sou seu fã. Para meu espanto era o próprio Paulo. Respondi-lhe, rindo: — eu também, só que hoje estou aqui principalmente para conhecer sua mulher... E ele, simpatissíssimo: — vamos, eu te levo até ela... Foi assim que conheci o grande casal de poetas. Eles me convidaram para ir no dia seguinte até o apartamento em que estavam hospedados, e a partir daí nasceu uma amizade um tanto longínqua (eles moravam no Paraná), mas muito forte entre nós três. Várias vezes Paulo citou-me em suas entrevistas e artigos (eu até hoje cito-o sempre: "vai vir o dia/ quando tudo que eu diga/ seja poesia") e estivemos juntos em diversas mesas de debates literários, o que também acontece com Alice.


O  poema abaixo para mim é uma pérola, das muitas que Paulo escreveu: ele é um dos raros autores em que a forma não limita o conteúdo de seus poemas, ao contrário, dança com ela. Conseguia o poeta a mágica de brincar com a assonância das palavras, sem que isto afetasse a reflexão séria sobre o tema proposto. Os sons deslizam pelo poema, fluindo com extrema facilidade. Do livro Caprichos e relaxos (Brasiliense, SP, 1983) escolhi estes versos (poderia ter optado por diversos haicais belíssimos), também pela dificuldade de se encontrar ângulos diferentes dentro de um tema universalmente tão abordado como o sentimento amoroso. Eis uma lírica sem o exacerbado sentimentalismo romântico, com suas metáforas açucaradas; eis uma lírica que adapta a conhecida tese científica de Lavoisier e inteligentemente a desloca e a aplica ao cotidiano de todos nós.


Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

CAMADAS

Ser livre não é manter-se
intocável, sem entregas,
nem se dar também, às cegas,
a tudo o que nos agrade.

Ser livre é viver a idade
que sente o nosso querer,
é viver conforme a vida
é sobretudo viver.

E viver é mergulhar
para emergir com o submerso,
ampliando, a cada dia,
os limites do universo.

          Leila Míccolis

Do livro: "Sangue Cenográfico"

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Da farsa ao fogão

Desconheço o que é ser Cinderela,
mas conheço muito bem
como se sente uma abóbora...

       Leila Míccolis



Do livro: Sangue Cenográfico

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Da primeira novela a gente não esquece

Imagem do logo da novela Mania de Querer, levada ao ar pela TV Manchete,
de setembro de 1986 a março de 1987

Eu estava nervosa, uma pilha. Embora ninguém colocasse nestes termos, eu sabia perfeitamente que aquele seria um teste, não para passar de ano, mas para mudar o curso do rumo de minha vida, talvez provisório-definitivamente... Pela primeira vez eu ia escrever para a televisão com créditos na tela. Isto, se fosse aprovada. Óbvio.

Lá fomos nós: eu e meu medo. Tocamos a campainha, Silvan Paezzo nos atendeu, com olhar sisudo, convidando a entrar; finalmente, eu estava diante do "monstro sagrado" da minha juventude. Eu tinha lido todos os seus romances críticos, violentos, entre fascinada e horrorizada, e, até hoje, amo-os profundamente. Também foi dele a única novela que acompanhei, antes de escrever para a TV. Lembro-me de que Juca de Oliveira fazia greve de fome para sensibilizar a heroína, sua bem-amada, e, depois de conseguir tê-la em seus braços, com tanto sacrifício, ele morria no último capítulo, vítima de anemia. Só mesmo um grande autor seria capaz de uma ousada e perigosa reversão de expectativa desse tipo. Pois era diante dele que eu estava...

Em poucas palavras Silvan me colocou a par da situação: precisava de uma colaboradora para acabar "Mania de Querer" (1987), pois, por problemas internos, mais da metade do elenco tinha saído; precisava então refazer a sinopse, pois a novela era praticamente outra, precisava mudar até os rumos da trama, devido à debandada de atores. Perguntou-me se eu tinha experiência em TV e respondi que só fizera um Caso Verdade, comprado pela Globo, através de Henrique Martins, mas que o seriado não tinha sido exibido, por causa da censura prévia, o tema era muito forte (barriga de aluguel) para o horário da tarde. Ele foi durão: "– Saber que você escreve bem, eu sei, todos sabem; mas, como não li nenhum roteiro seu, preciso ver seu estilo. Me escreve aí a seguinte cena: uma mulher bonita está malhando, sozinha na academia, quando entra o ex-namorado, agarra-a e transa com ela à força". Pensei de imediato: ele tinha que começar logo com um estupro?...

Lembrei-me, porém, da "Época dos tristes", "Diário de um transviado", "Av. Copacabana 389 apt 801", "Santa Rosinha do Mangue", "Madame Satã" e achei que ele estava sendo coerente, seu pedido fazia sentido. Caprichei então, carreguei nas cores para ser tão realista e forte quanto o "Mestre". Quando acabei, ele leu, franziu o cenho e disse: – "Bom texto, mas muito pesado, principalmente partindo de uma mulher"... Senti uma incômoda sensação de "déjà vu", pois já ouvira muito a variante desta frase com relação a minha poesia. Só que, partindo dele, eu não esperava. Rapidamente levantei-me para ir embora, achando que todas as minhas chances tinham ido por cena abaixo, e lhe respondi, de forma um tanto brusca (pois queria sair dali o mais rápido possível):  – "Desculpe, Paezzo, eu não sabia que você queria um estupro leve". Levantei-me já pronta para sair e ele me disse em seu tom seco: – "Senta aí. "Está contratada".

Até hoje não sei se a decisão dele foi motivada pelo que escrevi ou pelo modo com que reagi. Sei que nos entendemos bem. No último dia de trabalho, levei seus livros e pedi que os autografasse. Os exemplares estavam velhos, amarelecidos, com a capa quase despencando, e cheios de anotação. Surpreso, ele folheou-os: "– Esses realmente foram muito lidos". Confirmei: – "Foram. Para mim, você é um dos melhores romancistas deste país". E complementei logo, já que eu sabia que ele não me perguntaria, mesmo que desejasse muito saber a resposta: – "Não lhe falei isto antes, porque eu não queria que minha admiração interferisse na nossa convivência profissional, nem que você pensasse que eu estava te elogiando por puxa-saquismo". Ele emocionou-se. Sei disso porque, pela primeira e única vez, ganhei dele um tímido sorriso. E este, eu tenho certeza, não foi pelo que eu lhe dissera, mas pela capacidade, que sempre tive, de surpreendê-lo.

                                         ***

Eu terminara esta crônica no parágrafo acima, pois nunca mais o vi depois daquele dia e sabia que ele falecera no ano 2000 – Mania de Querer fora seu último trabalho para a televisão. No entanto, há alguns anos, o filho dele entrou em contato comigo (eu o conheci quando ele tinha dois ou três anos de idade), através de uma rede social e me fez uma grande revelação: – "Meu pai falava que você tinha sido a melhor parceira de toda a carreira dele; ele tinha enorme admiração por você". Ao saber disso, pensei: se em vida sempre surpreendi Silvan, agora ele fizera o mesmo comigo – uma bela reversão de expectativa, que também me fez sorrir timidamente emocionada.

Leila Míccolis

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

ZOOM

O vento quando se enjoa
de juntar flores e feixes,
percorre alegre a lagoa
fazendo cócega aos peixes...



               Leila Míccolis

Poema constante do projeto CeluLer - poesia diária por telefone

(Foto extraída do site: http://cliqueambiental.blogspot.com/2011/02/lagoa-do-peixe-um-paraiso-de-aves-aguas.html)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

REFLEXÃO

Fui eu quem lhe deu, feroz,
uma paixão tão voraz
que fora dela, rapaz,
nenhum espaço sobrou.



Fui eu quem lhe deu a corda
com que você se enforcou?



Leila Míccolis

Do livro: "Fui eu", org. Eunice Arruda, 41 autores escrevendo sobre uma pintura (acima) de Valdir Rocha, Escrituras, 1998, SP.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Arco-íris e trovões

     Foto Premiada na categoria Foto Especial: "Momento único"
     Fotógrafo: Nicodemos Rosa
     Fonte:  http://www.
panoramio.com/photo/32439284


Só o céu consegue o tento

de ser bravo e colorido
ao mesmo tempo.

       Leila Míccolis

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Dar nomes ao cão (***)

Eu sou "Leandro",
porém
"Ouou" me cai muito bem
por causa do meu latido.
Se chegam desconhecidos
aí sim, eu solto a voz,
porque Leila me ensinou:
“Cuidado: gente feroz!”
Já perguntaram pra mim,
se inspirei uns versos dela
sobre um tal de "Rin Tin Rin".
Isso eu não sei (talvez sim),
não conheço este carinha,
nunca fui apresentado
(será que agita a patinha
quando também pede agrado?).
Sou "Lobo", pra vizinhança,
sou  "Totó" para as crianças,
mas pros íntimos de casa,
não ligo pra nome não:
fico prosa e todo em brasa
quando a mão deles me afaga,
dizendo muda: meu cão.

          Leila Míccolis
_____
(***) Parafraseando o título do poema de T. Eliot, "Dar nome aos gatos".

Publicado no livro: Poemas que latem ao coração, org. Ulisses Tavares, Ed. Nova Alexandria, 2009, SP. 

N.A.: Ouou ainda chegou a ver o livro, pois morreu em outubro de 2010.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

FUZILAMENTO

 
Apontar...
Atirar...
Goool...

         Leila Míccolis


Do livro: MPB: Muita Poesia Brasileira, Ed, Trote, 1ª ed. 1982, RJ

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Missão cOmprida

Você conseguiu tudo na vida: 
uma grande barriga bem alimentada
uma amante infiel
uma esposa comportada
carro do ano
filhos rebeldes ao teu jugo tirano
casa própria, emprego com crachá
um sítio em Visconde de Mauá
um ufanista amor pelo país
tudo como manda o figurino
(de Paris).
E morrerá, cumprindo a sua parte,
de tensão ou de enfarte,
de repente,
sem nem ao menos de longe perceber
que podia ter sido diferente.

         Leila Míccolis 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

RJ TV

 
Cidade grande
é um sofrimento:
o tráfico a mil. O tráfego lento...
 
          Leila Míccolis
 
Publicada originariamente na Revista Os Urbanitas - Revista de Antropologia Urbana, Ano 2, vol. 1, (ISSN 18060528), SP, 2005

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

SEREIA, JANAÍNA, IEMANJÁ

Vem meu veleiro navegar-me lendas
que abro oceanos nunca desbravados,
as portas líquidas dos meus reinados,
e armo de pérolas as nossas tendas...
 
Vê-me a nudez — afasta as alvas rendas,
que encontrarás tesouros afundados;
só que talvez, pra teres tais agrados,
ao mar pra sempre tua vida prendas.
 
Se mesmo assim o novo lar não temes,
se não recuas, e se ainda gemes,
por meu amor, sedento de paixão,
 
cheia de luzes, colorida amante,
eu verde, azul, e em brilhos deslumbrantes,
refratarei-me em tuas redes-mãos.
 
                            Leila Míccolis 

domingo, 5 de fevereiro de 2012

TORCIDA










Contestando alguns libelos
que eu sempre julguei daninhos,
desde meus tempos mais idos,
quando havia algum duelo
entre o bandido e o mocinho,
eu era mais o bandido...
 
                           Leila Míccolis 
Do livro: "MPB - Muita Poesia Brasileira", in  Sangue Cenográfico, Blocos, 1997, RJ

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Geração Inde(x)pendente


Em vez de me deitar na cama,
resolvi criar fama.
E aí comecei a fazer versos, a mendigar editores,
como se eles fizessem grandes favores
em nos publicar...
E de tanto batalhar, virei... poeta
— um grande passo em minha meta,
porque em poetisa todo mundo pisa.
E quando me consideraram menina prodígio,
consegui que um crítico de prestígio
analisasse minha papelada.
Ele deu uma boa folheada,
pensou, pesou e sentenciou:
— "Incrível... não tem nível..."
Juro que fiquei com muita mágoa
porque, afinal, quem precisa de nível
é caixa d'água... 

                                Leila Míccolis


Do livo:  "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

GASES

(Ciclo ecológico)


O buraco na camada de ozônio
preocupa a população da Terra inteira;
mas até hoje ainda não vi ninguém
abrindo mão da sua geladeira...



            Leila Míccolis

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O MICRO E EU

                                      
Minha relação com o micro foi sempre a de atração e rejeição; não por medo da modernidade, mas porque, como boa capricorniana, sempre sondo primeiro antes de confiar por inteiro. Meu parceiro da novela "Kananga do Japão", Wilson Aguiar Filho, maravilhado com o seu computador, me dizia entusiasmado: "quando você tiver o seu, não vai querer saber de mais nada". Longe de ser convencida com este argumento, ao contrário, me calava, achando aquilo uma ofensa velada à minha máquina de escrever eletrônica — aquela grande, cheia de "margaridas" para mudar os tipos de letras, e teclas de atalhos para executar comandos. Até que eu me animei, com "Barriga de Aluguel", devido a um motivo muito simples: estava ficando caro demais manter a máquina eletrônica, principalmente pela borracha que acabava muito rapidamente...

Quando o micro chegou em minha vida achei até que a adaptação foi fácil quanto ao teclado de digitação. O pior era criar um arquivo e salvar... Eu escrevia todos os passos (que eram apenas quatro ou cinco) em um caderno, tudo explicadinho. Na hora de fazer, salvava tudo errado. Nestas horas, meu amigo, que pacientemente me ensinava, ficava horas pelo telefone me teleguiando à distância para me ajudar a descobrir onde eu salvara o arquivo perdido, sempre nos lugares mais loucos do mundo, ou melhor do micro, óbvio.

Uma vez, ainda neste estágio preliminar, perdi uma peça de teatro que eu estava criando. Do primeiro arquivo deletado a gente não esquece... A peça se chamava "Fora de Forma" e eu não tinha "backup", aliás,  foi a primeira vez que fui apresentada a um arquivo de segurança, pena que justo em meio a uma situação tão dramática (e a peça era uma comédia...).

Fiquei muito magoada com o micro, porque achei que a culpa era dele, eu não tinha feito nada demais. Ele é que estava a fim de atrapalhar o meu trabalho. Então, lembrei-me dos filmes em que o computador tinha vontade própria e por um bom tempo (alguns minutos) considerei-o um inimigo. E ele agiu assim, realmente. Quando eu estava trabalhando na reformatação da "74.5 - Uma onda no ar" para a TV portuguesa, ele literalmente "explodiu". Fiquei três dias trabalhando com um dos micros da produtora e, quando o meu chegou do conserto, veio com um rombo na "placa mãe". Disseram que, para consertá-lo direito, levariam muito tempo (na verdade, como era a produtora independente quem estava pagando o conserto, ela disse para fazer o micro funcionar rápido, e os técnicos fizeram apenas um "gatilho" provisório). No entanto, a partir daí, ao ver meu computador, mesmo combalido e fraco, quase sem memória, esforçando-se para cumprir suas tarefas (às vezes dezoito horas seguidas de trabalho), sem "esmorecer", sem pifar, sem me deixar na mão, comecei a gostar dele: o danado era resistente como eu, tínhamos garra... na primeira manifestação de simpatia de minha parte, ele recolheu as garras e eu  baixei a guarda.

Vários anos se passaram desde então. Neste exato momento, confesso que não poderia viver sem ele, ou melhor, abandoná-lo seria tão triste quanto me separar de um ente querido — e atentem para o detalhe de eu tê-lo chamado de "ente"...  —,  principalmente depois que nós, eu e Urhacy,  instalamos a internet (desde julho/96), construímos um site cultural, Blocos (http://www.plugue.com.br/blocos) e fizemos muitos amigos. A última da internet foi tão fantástica que quero partilhar com vocês: em agosto de 1984, no dia do enterro de meu pai, soube da existência de uma irmã (também filha dele). Depois deste dia, nós nos mudamos, e nos perdemos. Há duas semanas, ela me reencontrou pelos mecanismos de busca da internet, há mais de dez anos mora nos Estados Unidos. Todos os dias temos falado durante horas, pelo ICQ. E eu, que sempre fui criada como filha única, de repente vejo-me com sobrinhas e com a alegria de já ser, até, tia-avó... Parece trama de novela de televisão, mas é vida real.

Tanta emoção devo ao meu querido computador, esse amigo maravilhoso amigo de todas as horas — de diversão, conversas, jogos, informações e trabalho. Agora, sendo considerado como tal, ele me premia, retribuindo em dobro toda a felicidade que sinceramente lhe desejo. Portanto, se você ainda está na perigosa fase de atração e rejeição pelo seu micro, ultrapasse-a logo: descarte a primeira parte e fique com a segunda. Para o bem dos dois. E de todos.
Leila Míccolis


Texto publicado no Caderno de Informática do Estado de São Paulo, fls. 2, em 06/04/98

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A SECO

Tem coisas que a gente só diz de porre, 
se não o outro corre;
mas passada a bebedeira,
a gente acha que fez besteira,
não devia ter falado,
que se expôs adoidado,
à toa e foi tolice.
Finge-se então que se esquece o que disse,
culpa-se a carência, a demência, a embriaguez
responsáveis por tamanha estupidez.
E é aceitando este estranho cabedal
que quando se volta ao "estado normal",
cada vez mais sós, na defensiva,
corroídos morremos de cirrose... afetiva.


                   Leila Míccolis


Do livo: 
"Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ 

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

VÃ FILOSOFIA...

Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalhos de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...
                Leila Míccolis
Poema do livo: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Clipes, grampos e elásticos

Outro dia, muito cansada, depois de mais um dia exaustivo em companhia de minha tese, percebi-me brincando e logo em seguida olhando atentamente para o design de um clipe de escritório com profunda admiração. Que objeto mais bem bolado: um pentágono formado por um fio de arame em uma espécie de labirinto... Esta descrição me levou rápido a diversas associações: o labirinto de Creta, os arames farpados dos campos de concentração, as texturas dos fios de cabelos asiáticos, e, lógico, ao Pentágono americano... Depois desta quase volta ao mundo em 80 clipes (oitenta em um único), voltei ao Brasil, e, como tinha pensado em fios de cabelo, não demorei muito para lembrar-me do grampo pretinho (outro objeto pequenino e precioso), não o de grampear telefones.... Aliás, o grampo de grampeador também é incrível, mas tão altamente poluente, que uma empresa de consultoria ambiental - a Physis SDA – criou um grampeador que não usa grampos. E o grampo de cabelo não é só útil para as mulheres não: quem algum dia, uma vez na vida pelo menos, não cedeu à tentação de coçar levemente a orelha com um deles?  

Sabemos quem foi o inventor do telefone, do para-raios, da lâmpada elétrica, mas... e dos clipes? Dos elásticos, já que eles são feitos de qualquer material que tende a preservar seu cumprimento, forma e volume contra as forças externas, nos lembramos logo de Newton e a sua lei da ação e reação. Sobre o grampo (de construção) encontrei um site com uma explicação tão interessante, que não resisto em dividir com vocês: sua origem data dos antigos persas, "que precisavam de uma solução para manter firmemente unidos os blocos de pedra que utilizavam nas construções de Pasárgada, sua primeira capital imperial (hoje, no Irã). Foi então que um dos construtores inventou um pedaço de metal torto, como se fossem dois pregos unidos por uma mesma cabeça, que era fincado contra dois blocos. Nasciam os famosos grampos, que serviriam para unir vários objetos ao longo da história".

Sobre os clipes, porém, não encontrei nada, nadinha, o que considero uma tremenda injustiça. O clipe prende, agrega, une democraticamente quaisquer papeis sobre os assuntos mais heterogêneos que resolvamos juntar, dependendo de nossa criatividade ou doideira. Para ele não importa a textura ou o volume de páginas, desde que respeitado, óbvio, sua capacidade proporcional ao seu tamanho: está sempre pronto a ligar, a não deixar as palavras soltas ao vento, com uma vantagem a mais do que o grampo: o clipe prende transitoriamente, permitindo mudar a ordem das páginas à vontade, ou seja, permitindo uma infinidade de combinações sem agredir os papéis (ao contrário, se grampeamos errado alguma página, retirar o grampo, por maior cuidado que se tenha, deixa marcas no papel).

Fiquei pensando que deveria ser um grande elogio revelar para alguém que amamos: você é meu clipe, desde que o outro imediatamente entendesse a mensagem como:  você é meu elo de ligação entre os diferentes aspectos do que sou. Mas, dependendo do outro, talvez a mensagem fosse recebida de modo truncado e surtisse o efeito contrário, como: considero você um objeto para mim, ínfimo e banal... Temos que admitir que há pessoas que complicam tanto a vida que perdem a capacidade e a sensibilidade de perceber a velada dimensão dos objetos simples.

Leila Míccolis

domingo, 29 de janeiro de 2012

Ponto de vista


Eu não tenho vergonha
de dizer palavrões,
de sentir secreções
(vaginais ou anais).
As mentiras usuais
que nos fodem sutilmente
essas sim são imorais,
essas sim são indecentes.
                                        Leila Miccolis
Poema do livo: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

sábado, 28 de janeiro de 2012

Para um sábado com mais sabor, uma receita naturalista



Abobrinha ao catupiry

Ingredientes:
1 abobrinha lavada grande, cortada em tira no sentido do comprimento
1 ovo
leite
farinha de trigo
1 lata de milho verde escorrido e lavado
manteiga
1 cebola pequena bem picadinha
cheiro verde - 1 caixa de catupiry (pode ser um copo de requeijão cremoso)
1 pacote pequeno de batata palha
sal e pimenta do reino a gosto
óleo para fritura


Modo de fazer:   

1 - Abobrinhas - Faça uma massa misturando ovo, leite e farinha de trigo, temperada com sal e pimenta do reino a gosto. Deixe as abobrinhas imersas nessa massa, por cerca de meia hora, pra que fiquem bem envolvidas. - Passe as abrobrinhas molhadas na massa pela farinha de trigo, frite-as dourando bem dos dois lados em óleo quente. Escorra em papel absorvente e reserve.
2. Milho - Numa panela aqueça a manteiga e frite a cebola até dourar. Refogue o milho escorrido e lavado, tempere a gosto com sal e pimenta do reino. Desligue a panela e acrescente cheiro-verde picadinho. Reserve.
3. Montagem do Prato - Aqueça o forno - Num refratário vá colocando em camadas: abobrinha, milho e catupiry. A última camada deve ser de catupiry. Jogue as batatinhas por cima e leve ao forno pra gratinar. Sirva com arroz e salada ou legumes verdes.


Receita enviada pela Thaty Marcondes



Leiam mais de 200 receitas naturalistas em meu site:
http://www.blocosonline.com.br/sites_pessoais/sites/lm/culinar/culititrec.htm

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

EMPREGADA VIRTUAL


Manuela era uma empregada que mamãe não tinha, ou seja, uma abstração. 

 

Sempre que ela queria me chamar atenção por alguma coisa, dizia: – "Vai arrumar o quarto (ou lavar o prato ou qualquer outra coisa no gênero) que a Manuela hoje não veio". Eu já estava acostumada. No entanto, como falava na frente das visitas, algumas não percebiam que se tratava de uma ironia da parte dela. 

 

Um dia, uma de suas amigas lhe falou: – "Essa empregada falta mais do que trabalha, não sei porque você ainda não a despediu". Só então mamãe se deu conta de que a brincadeira estava sendo levada a sério e tratou de desfazer o mal-entendido, contando que Manuela não era real, não existia, era uma piada, hoje falaríamos fake...Quando D. Rosalinda soube que não havia Manuela nenhuma, ficou visivelmente consternada. Eu era criança, mas percebi seus sentimentos pela expressão semelhante a que eu própria tive quando soube que Papai Noel não existia. Na época, se meus coleguinhas diziam que o "bom velhinho" era mentira, eu estufava o peito e argumentava: – "Mamãe disse que ele existe e eu acredito, porque mamãe não mente". Imagine então a surpresa quando encontrei os presentes que eu pedira de Natal no guarda-roupa de meus pais (naquela época, naturalmente, eu ainda não discernia a mentira da fantasia e da ficção; aliás, porque as fronteiras entre este trio às vezes são bem difusas e tênues). 

 

Pois foi a mesma cara de decepção que eu vi estampada no rosto da visitante, abalada com a informação. Na hora não entendi direito o porquê, mas hoje penso que talvez minha mãe fosse a única das amigas de D. Rosalinda a ter uma empregada, ainda por cima uma empregada faltosa, cuja patroa, em sua grande generosidade, a mantinha há anos. Portanto, mexer em Manuela, era também, de certa forma, achar que minha mãe era... digamos insincera, para não taxá-la de mentirosa – isto abalaria a confiança que sentia pela grande amiga.

 

Manuela só ressurgiu das cinzas, na minha vida, quando recebi de uma amiga, uma frase de Wilhelm Stekel (quanto tempo não ouvia falar no discípulo de Freud – eu era sua fervorosa admiradora nos tempos da minha Faculdade de Direito, época em que eu lia mais psicanálise do que obras jurídicas.... Depois mudei para Reich, mas esta é outra história). Escreveu Stekel: "Nem sempre a verdade é fundamental para a nossa felicidade... Existem pessoas que morrem quando seus olhos são abertos!" (O Pato Selvagem, de Ibsen, teatraliza este tema de forma intensamente impactante). 

 

Logo que terminei de ler a frase do psiquiatra austríaco, D. Rosalinda me veio à cabeça, porque não parou a dois parágrafos atrás a história dela com Manuela: foi tão forte para a amiga de minha mãe a ideia da inexistência daquela empregada, a quem provavelmente já imaginara com um corpo, gordo ou magro, e com uma história trágica a lhe justificar tanta falta, que a visitante preferiu pensar que minha mãe mentira sim, porém com a melhor das intenções, a de não "humilhá-la", pois D. Rosalinda jamais poderia pensar em ter uma – professora sempre foi mal remunerada em nosso país... Todos reverenciavam minha mãe por seu caráter ilibado, por ser devotadíssima diretora de escola primária e mestra também em delicadezas (na época dela – pasmem – as pessoas ainda tinham respeito umas pelas outras, achávamos verdadeiramente que "ninguém era melhor do que ninguém" e que bofetadas, só se dava... com luvas de pelica). Provavelmente por isso, a visitante preferiu acreditar nesta versão criada por ela mesma, por ser mais condizente e à altura da admiração nutrida por sua colega de profissão. Foi aí que a expressão facial dela repentinamente desanuviou-se, transformou-se, e, visivelmente, os sentimentos de frustração e de insegurança que sentia deram lugar a um largo sorriso de imensa gratidão.

 

Manuela morreu com mamãe, mas, por tantas e tantas histórias a ela atribuídas, foi a mais forte das personagens fictícias a conviver comigo na infância. Depois de Papai Noel, é claro. 


      Leila Míccolis

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

AMANTE DAS LETRAS

 

Não te importas com os homens que dormem comigo;
mas morres de ciúme
dos versos que faço para eles...


            Leila Míccolis

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ALVOS


    Se saio com quatro pedras na mão
    me chamam de doida;
    eu sorrio e os apedrejo,
    pra aprenderem
    que as loucas têm perfeita pontaria.

             Leila MíccolisDo livro: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

HORÁRIO NOBRE

(Ciclo infantil)


         As mães dos meu edifício
         falam assim com seus filhos:
         — "Cuidado pra não cair...
         Se sujar a roupa nova
         eu vou lhe dar uma sova".
         Tem outra espécie, também,
         que sempre se sobressai,
         a que ameaça terrível:
         — "Eu vou contar pro seu pai"...
         Por fim, eu ouço a que diz:
         — "Ah, meu Deus, que mal eu fiz
         pra ter tido este estrupício?"
         Eu então, ouvindo isso,
         me arrisco a uma conclusão
         sem brilho e bem pessoal:
         mãe sorrindo para os filhos,
         só na televisão
         em algum comercial...



Leila Míccolis

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

RECUERDOS DO CEARÁ

Capa de Cláudio Morato

Em 1977, deixei a advocacia para me dedicar a outra “causa” – a literária –, cheia de Ágape, chama do entusiasmo que até hoje não perdi, porque amo o que faço. Logo no ano seguinte, em 1978, Wladyr Nader, da então heroica Revista Escrita (SP), encomendou-me pela sua Editora Vertente, uma antologia com poetisas "não-alinhadas", ou seja, escritoras que não estivessem satisfeitas com a situação do mundo nem com a própria condição feminina. Reuni dez "Mulheres da Vida", título polêmico, próprio para mulheres que estavam na vida, questionando diversos aspectos individuais e sociais. O título, severamente criticado por direitistas severos, por esquerdistas tradicionalistas e até por centristas pseudomoralistas, foi muito bem compreendido pelo público, que o interpretou corretamente, sem conotações depreciativas, como, aliás, eu previra mesmo que assim fosse.

Lancei a antologia no Rio de Janeiro e em várias capitais nordestinas, inclusive Recife e Natal. Quando cheguei em Fortaleza, nenhuma livraria queria aceitar o livro. Estávamos ainda sob o tacão da repressão e os livreiros receavam que a polícia aparecesse e fizesse das suas costumeiras gentilezas: invadisse a loja selvagemente, batesse nas pessoas, rasgasse obras, revirasse todas as prateleiras, instalasse o pânico. Ninguém queria correr este risco, de questionar e/ou desagradar a TFP (Tradição, Família e Propriedade). Para piorar, um jornalista que ouviu cantar o galo, mas não sabia onde (no caso, não lera o livro mas queria parecer bem informado), resolveu escrever que "Mulheres da Vida" era um relato autobiográfico de dez prostitutas. Eitcha! Aí danou-se tudo, fecharam-se de vez as portas de livrarias, pois todas eram muito decentes, de boa reputação e de fino trato.

Liguei para minha amiga Socorro Trindad, em Natal, uma das integrantes do livro (as outras eram: Norma Bengell, Isabel Câmara, Maria Amélia Mello, eu, Eunice Arruda, Aninha Franco, Glória Perez. Many Tabachinik e Réca Poletti). Relatei minha dificuldade, e depois de pensar um pouco ela me sugeriu: "Bom, se estão falando isto de nós e se as livrarias não aceitam comercializar o livro, então lance-o num prostíbulo"... Gostei da ideia. Dirigi-me a uma casa que achei simpática, nas imediações da Praça São Sebastião, e fui muito bem recebida lá. Maria Loura deu-me todas as facilidades para a realização do meu projeto, e, alguns dias depois, autografei o livro no Cabaré Estrela do Oriente.

O que devia ser um lançamento de livro, transformou-se a ser algo diferente, inusitado, com inimagináveis significados simbólicos – uma espécie de manifesto cultural, um ato de veemente protesto, chamando a atenção da mídia para o evento. Resultado: todos os jornais e televisões cobriram a "ousada manifestação cultural" e nunca tive um lançamento fora do Rio de Janeiro com tanta gente (inclusive foi lá que conheci Paulo Veras, saudoso parceiro depois, no livro "Maus Antecedentes"). A intelectualidade em peso esteve presente, e também inúmeros políticos, que hipocritamente "hipotecaram sua solidariedade à nobre causa" literária... Vendi tanto livro que os exemplares que levei não foram suficientes para todos os leitores; acabei vindo com mais de cento e cinquenta encomendas pagas, mesmo os compradores sabendo que só receberiam o seu exemplar quase quinze dias depois, quando eu retornasse ao Rio de Janeiro.

O mais bonito de tudo, porém, foi a atitude da dona do bordel. Ela estava muito contente pelas altas personalidades em seu estabelecimento, é claro, mas estava mais comovida ainda pelo livro em si, por escritoras de nome não terem tido medo de serem "confundidas com elas". Eu raramente vi alguém pegar um exemplar com tanta consideração, com tanto respeito. Também raramente vi alguém ter uma interpretação tão simples e tão adequada de meus poemas. Era uma fase em que eu, propositadamente, queria chocar os bem-comportados, sacudir-lhes os ombros, e não media palavrões para agredir os puritanos. Pois ela, sem se importar com as palavras "de baixo calão" (afinal, costumava ouvi-las todas às noites justamente dos bem-comportados e dos puritanos), atravessou-as com a maior naturalidade e se deteve no cerne da mensagem, que elas conheciam na própria pele: a denúncia da desigualdade de gêneros, o farisaísmo, a opressão, a repressão.

Maria Loura estabeleceu as "medidas de exceção" que achou compatíveis com a ocasião solene: a primeira delas foi a ordem expressa para que nenhuma de suas meninas trabalhasse naquela noite, o que desmontou a imagem que tinham me dado, de que elas fossem extremamente interesseiras e mercenárias. Aquelas, se fossem, teriam aproveitado muito a chance de triplicarem os lucros pela grande freguesia interessada nelas, já que o programa era insólito na cabeça dos homens: compre um livro e leve uma menina... Una o útil ao agradável. Porém todas disseram não. Trabalho, naquela noite, só de garçonetes, servindo as mesas com bebidas e tira-gostos... Depois, Maria Loura continuou me surpreendendo quando não aceitou o percentual da venda do livro, combinado anteriormente. Alegou que o consumo de comes e bebes fora mais do que suficiente, lucrara com isso e, principalmente, com a propaganda; por fim, no final da noite, ainda se sentou com suas meninas e varou a madrugada me contando histórias, de alegria, de dor, de decepção, de esperança, e todas me tocaram profundamente, mudando em muito a imagem que eu tinha da "profissão mais antiga do mundo"....

Tenho um carinho especial ao lembrar-me deste lançamento, e o considero como sendo o melhor que já tive em minha vida.

Ao pensar em Maria Loura e nas mulheres do Cabaré Estrela do Oriente muitas vezes me veio à mente a letra de Chico Buarque de Hollanda, "Umas e Outras", na qual uma freira e uma prostituta cruzam a mesma rua: "Mas toda santa madrugada/ quando uma já sonhou com Deus/ e a outra, triste namorada,/ coitada, já deitou com os seus,/ o acaso faz com que essas duas,/ que a sorte sempre separou,/ se cruzem pela mesma rua/ olhando-se com a mesma dor"... Não se trata de uma comparação, óbvio, porque nenhuma das escritoras era freira, nem “perdidas”; mas, sem dúvida a conexão e a analogia aproximativa são visíveis: mesmo com vidas tão diversas, porém com tantos sentimentos conflitantes em comum provenientes de uma sociedade patriarcal desigual, manipuladora e autoritária, nos reconhecemos plenamente naquela noite, naquela mesma rua, olhando-nos (poeticamente) com a mesma dor e com a mesma com/paixão pelo mundo.

                                                  Leila Míccolis

VI Encontro Nacional do Mulherio das Letras - Rio de Janeiro

VI Encontro Nacional do Mulherio das Letras. Participação especial entre as Mulherageadas: Rui de Habeurim de 18 a 22 de Outubro...