terça-feira, 31 de janeiro de 2012

VÃ FILOSOFIA...

Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalhos de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...
                Leila Míccolis
Poema do livo: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Clipes, grampos e elásticos

Outro dia, muito cansada, depois de mais um dia exaustivo em companhia de minha tese, percebi-me brincando e logo em seguida olhando atentamente para o design de um clipe de escritório com profunda admiração. Que objeto mais bem bolado: um pentágono formado por um fio de arame em uma espécie de labirinto... Esta descrição me levou rápido a diversas associações: o labirinto de Creta, os arames farpados dos campos de concentração, as texturas dos fios de cabelos asiáticos, e, lógico, ao Pentágono americano... Depois desta quase volta ao mundo em 80 clipes (oitenta em um único), voltei ao Brasil, e, como tinha pensado em fios de cabelo, não demorei muito para lembrar-me do grampo pretinho (outro objeto pequenino e precioso), não o de grampear telefones.... Aliás, o grampo de grampeador também é incrível, mas tão altamente poluente, que uma empresa de consultoria ambiental - a Physis SDA – criou um grampeador que não usa grampos. E o grampo de cabelo não é só útil para as mulheres não: quem algum dia, uma vez na vida pelo menos, não cedeu à tentação de coçar levemente a orelha com um deles?  

Sabemos quem foi o inventor do telefone, do para-raios, da lâmpada elétrica, mas... e dos clipes? Dos elásticos, já que eles são feitos de qualquer material que tende a preservar seu cumprimento, forma e volume contra as forças externas, nos lembramos logo de Newton e a sua lei da ação e reação. Sobre o grampo (de construção) encontrei um site com uma explicação tão interessante, que não resisto em dividir com vocês: sua origem data dos antigos persas, "que precisavam de uma solução para manter firmemente unidos os blocos de pedra que utilizavam nas construções de Pasárgada, sua primeira capital imperial (hoje, no Irã). Foi então que um dos construtores inventou um pedaço de metal torto, como se fossem dois pregos unidos por uma mesma cabeça, que era fincado contra dois blocos. Nasciam os famosos grampos, que serviriam para unir vários objetos ao longo da história".

Sobre os clipes, porém, não encontrei nada, nadinha, o que considero uma tremenda injustiça. O clipe prende, agrega, une democraticamente quaisquer papeis sobre os assuntos mais heterogêneos que resolvamos juntar, dependendo de nossa criatividade ou doideira. Para ele não importa a textura ou o volume de páginas, desde que respeitado, óbvio, sua capacidade proporcional ao seu tamanho: está sempre pronto a ligar, a não deixar as palavras soltas ao vento, com uma vantagem a mais do que o grampo: o clipe prende transitoriamente, permitindo mudar a ordem das páginas à vontade, ou seja, permitindo uma infinidade de combinações sem agredir os papéis (ao contrário, se grampeamos errado alguma página, retirar o grampo, por maior cuidado que se tenha, deixa marcas no papel).

Fiquei pensando que deveria ser um grande elogio revelar para alguém que amamos: você é meu clipe, desde que o outro imediatamente entendesse a mensagem como:  você é meu elo de ligação entre os diferentes aspectos do que sou. Mas, dependendo do outro, talvez a mensagem fosse recebida de modo truncado e surtisse o efeito contrário, como: considero você um objeto para mim, ínfimo e banal... Temos que admitir que há pessoas que complicam tanto a vida que perdem a capacidade e a sensibilidade de perceber a velada dimensão dos objetos simples.

Leila Míccolis

domingo, 29 de janeiro de 2012

Ponto de vista


Eu não tenho vergonha
de dizer palavrões,
de sentir secreções
(vaginais ou anais).
As mentiras usuais
que nos fodem sutilmente
essas sim são imorais,
essas sim são indecentes.
                                        Leila Miccolis
Poema do livo: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

sábado, 28 de janeiro de 2012

Para um sábado com mais sabor, uma receita naturalista



Abobrinha ao catupiry

Ingredientes:
1 abobrinha lavada grande, cortada em tira no sentido do comprimento
1 ovo
leite
farinha de trigo
1 lata de milho verde escorrido e lavado
manteiga
1 cebola pequena bem picadinha
cheiro verde - 1 caixa de catupiry (pode ser um copo de requeijão cremoso)
1 pacote pequeno de batata palha
sal e pimenta do reino a gosto
óleo para fritura


Modo de fazer:   

1 - Abobrinhas - Faça uma massa misturando ovo, leite e farinha de trigo, temperada com sal e pimenta do reino a gosto. Deixe as abobrinhas imersas nessa massa, por cerca de meia hora, pra que fiquem bem envolvidas. - Passe as abrobrinhas molhadas na massa pela farinha de trigo, frite-as dourando bem dos dois lados em óleo quente. Escorra em papel absorvente e reserve.
2. Milho - Numa panela aqueça a manteiga e frite a cebola até dourar. Refogue o milho escorrido e lavado, tempere a gosto com sal e pimenta do reino. Desligue a panela e acrescente cheiro-verde picadinho. Reserve.
3. Montagem do Prato - Aqueça o forno - Num refratário vá colocando em camadas: abobrinha, milho e catupiry. A última camada deve ser de catupiry. Jogue as batatinhas por cima e leve ao forno pra gratinar. Sirva com arroz e salada ou legumes verdes.


Receita enviada pela Thaty Marcondes



Leiam mais de 200 receitas naturalistas em meu site:
http://www.blocosonline.com.br/sites_pessoais/sites/lm/culinar/culititrec.htm

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

EMPREGADA VIRTUAL


Manuela era uma empregada que mamãe não tinha, ou seja, uma abstração. 

 

Sempre que ela queria me chamar atenção por alguma coisa, dizia: – "Vai arrumar o quarto (ou lavar o prato ou qualquer outra coisa no gênero) que a Manuela hoje não veio". Eu já estava acostumada. No entanto, como falava na frente das visitas, algumas não percebiam que se tratava de uma ironia da parte dela. 

 

Um dia, uma de suas amigas lhe falou: – "Essa empregada falta mais do que trabalha, não sei porque você ainda não a despediu". Só então mamãe se deu conta de que a brincadeira estava sendo levada a sério e tratou de desfazer o mal-entendido, contando que Manuela não era real, não existia, era uma piada, hoje falaríamos fake...Quando D. Rosalinda soube que não havia Manuela nenhuma, ficou visivelmente consternada. Eu era criança, mas percebi seus sentimentos pela expressão semelhante a que eu própria tive quando soube que Papai Noel não existia. Na época, se meus coleguinhas diziam que o "bom velhinho" era mentira, eu estufava o peito e argumentava: – "Mamãe disse que ele existe e eu acredito, porque mamãe não mente". Imagine então a surpresa quando encontrei os presentes que eu pedira de Natal no guarda-roupa de meus pais (naquela época, naturalmente, eu ainda não discernia a mentira da fantasia e da ficção; aliás, porque as fronteiras entre este trio às vezes são bem difusas e tênues). 

 

Pois foi a mesma cara de decepção que eu vi estampada no rosto da visitante, abalada com a informação. Na hora não entendi direito o porquê, mas hoje penso que talvez minha mãe fosse a única das amigas de D. Rosalinda a ter uma empregada, ainda por cima uma empregada faltosa, cuja patroa, em sua grande generosidade, a mantinha há anos. Portanto, mexer em Manuela, era também, de certa forma, achar que minha mãe era... digamos insincera, para não taxá-la de mentirosa – isto abalaria a confiança que sentia pela grande amiga.

 

Manuela só ressurgiu das cinzas, na minha vida, quando recebi de uma amiga, uma frase de Wilhelm Stekel (quanto tempo não ouvia falar no discípulo de Freud – eu era sua fervorosa admiradora nos tempos da minha Faculdade de Direito, época em que eu lia mais psicanálise do que obras jurídicas.... Depois mudei para Reich, mas esta é outra história). Escreveu Stekel: "Nem sempre a verdade é fundamental para a nossa felicidade... Existem pessoas que morrem quando seus olhos são abertos!" (O Pato Selvagem, de Ibsen, teatraliza este tema de forma intensamente impactante). 

 

Logo que terminei de ler a frase do psiquiatra austríaco, D. Rosalinda me veio à cabeça, porque não parou a dois parágrafos atrás a história dela com Manuela: foi tão forte para a amiga de minha mãe a ideia da inexistência daquela empregada, a quem provavelmente já imaginara com um corpo, gordo ou magro, e com uma história trágica a lhe justificar tanta falta, que a visitante preferiu pensar que minha mãe mentira sim, porém com a melhor das intenções, a de não "humilhá-la", pois D. Rosalinda jamais poderia pensar em ter uma – professora sempre foi mal remunerada em nosso país... Todos reverenciavam minha mãe por seu caráter ilibado, por ser devotadíssima diretora de escola primária e mestra também em delicadezas (na época dela – pasmem – as pessoas ainda tinham respeito umas pelas outras, achávamos verdadeiramente que "ninguém era melhor do que ninguém" e que bofetadas, só se dava... com luvas de pelica). Provavelmente por isso, a visitante preferiu acreditar nesta versão criada por ela mesma, por ser mais condizente e à altura da admiração nutrida por sua colega de profissão. Foi aí que a expressão facial dela repentinamente desanuviou-se, transformou-se, e, visivelmente, os sentimentos de frustração e de insegurança que sentia deram lugar a um largo sorriso de imensa gratidão.

 

Manuela morreu com mamãe, mas, por tantas e tantas histórias a ela atribuídas, foi a mais forte das personagens fictícias a conviver comigo na infância. Depois de Papai Noel, é claro. 


      Leila Míccolis

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

AMANTE DAS LETRAS

 

Não te importas com os homens que dormem comigo;
mas morres de ciúme
dos versos que faço para eles...


            Leila Míccolis

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ALVOS


    Se saio com quatro pedras na mão
    me chamam de doida;
    eu sorrio e os apedrejo,
    pra aprenderem
    que as loucas têm perfeita pontaria.

             Leila MíccolisDo livro: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

HORÁRIO NOBRE

(Ciclo infantil)


         As mães dos meu edifício
         falam assim com seus filhos:
         — "Cuidado pra não cair...
         Se sujar a roupa nova
         eu vou lhe dar uma sova".
         Tem outra espécie, também,
         que sempre se sobressai,
         a que ameaça terrível:
         — "Eu vou contar pro seu pai"...
         Por fim, eu ouço a que diz:
         — "Ah, meu Deus, que mal eu fiz
         pra ter tido este estrupício?"
         Eu então, ouvindo isso,
         me arrisco a uma conclusão
         sem brilho e bem pessoal:
         mãe sorrindo para os filhos,
         só na televisão
         em algum comercial...



Leila Míccolis

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

RECUERDOS DO CEARÁ

Capa de Cláudio Morato

Em 1977, deixei a advocacia para me dedicar a outra “causa” – a literária –, cheia de Ágape, chama do entusiasmo que até hoje não perdi, porque amo o que faço. Logo no ano seguinte, em 1978, Wladyr Nader, da então heroica Revista Escrita (SP), encomendou-me pela sua Editora Vertente, uma antologia com poetisas "não-alinhadas", ou seja, escritoras que não estivessem satisfeitas com a situação do mundo nem com a própria condição feminina. Reuni dez "Mulheres da Vida", título polêmico, próprio para mulheres que estavam na vida, questionando diversos aspectos individuais e sociais. O título, severamente criticado por direitistas severos, por esquerdistas tradicionalistas e até por centristas pseudomoralistas, foi muito bem compreendido pelo público, que o interpretou corretamente, sem conotações depreciativas, como, aliás, eu previra mesmo que assim fosse.

Lancei a antologia no Rio de Janeiro e em várias capitais nordestinas, inclusive Recife e Natal. Quando cheguei em Fortaleza, nenhuma livraria queria aceitar o livro. Estávamos ainda sob o tacão da repressão e os livreiros receavam que a polícia aparecesse e fizesse das suas costumeiras gentilezas: invadisse a loja selvagemente, batesse nas pessoas, rasgasse obras, revirasse todas as prateleiras, instalasse o pânico. Ninguém queria correr este risco, de questionar e/ou desagradar a TFP (Tradição, Família e Propriedade). Para piorar, um jornalista que ouviu cantar o galo, mas não sabia onde (no caso, não lera o livro mas queria parecer bem informado), resolveu escrever que "Mulheres da Vida" era um relato autobiográfico de dez prostitutas. Eitcha! Aí danou-se tudo, fecharam-se de vez as portas de livrarias, pois todas eram muito decentes, de boa reputação e de fino trato.

Liguei para minha amiga Socorro Trindad, em Natal, uma das integrantes do livro (as outras eram: Norma Bengell, Isabel Câmara, Maria Amélia Mello, eu, Eunice Arruda, Aninha Franco, Glória Perez. Many Tabachinik e Réca Poletti). Relatei minha dificuldade, e depois de pensar um pouco ela me sugeriu: "Bom, se estão falando isto de nós e se as livrarias não aceitam comercializar o livro, então lance-o num prostíbulo"... Gostei da ideia. Dirigi-me a uma casa que achei simpática, nas imediações da Praça São Sebastião, e fui muito bem recebida lá. Maria Loura deu-me todas as facilidades para a realização do meu projeto, e, alguns dias depois, autografei o livro no Cabaré Estrela do Oriente.

O que devia ser um lançamento de livro, transformou-se a ser algo diferente, inusitado, com inimagináveis significados simbólicos – uma espécie de manifesto cultural, um ato de veemente protesto, chamando a atenção da mídia para o evento. Resultado: todos os jornais e televisões cobriram a "ousada manifestação cultural" e nunca tive um lançamento fora do Rio de Janeiro com tanta gente (inclusive foi lá que conheci Paulo Veras, saudoso parceiro depois, no livro "Maus Antecedentes"). A intelectualidade em peso esteve presente, e também inúmeros políticos, que hipocritamente "hipotecaram sua solidariedade à nobre causa" literária... Vendi tanto livro que os exemplares que levei não foram suficientes para todos os leitores; acabei vindo com mais de cento e cinquenta encomendas pagas, mesmo os compradores sabendo que só receberiam o seu exemplar quase quinze dias depois, quando eu retornasse ao Rio de Janeiro.

O mais bonito de tudo, porém, foi a atitude da dona do bordel. Ela estava muito contente pelas altas personalidades em seu estabelecimento, é claro, mas estava mais comovida ainda pelo livro em si, por escritoras de nome não terem tido medo de serem "confundidas com elas". Eu raramente vi alguém pegar um exemplar com tanta consideração, com tanto respeito. Também raramente vi alguém ter uma interpretação tão simples e tão adequada de meus poemas. Era uma fase em que eu, propositadamente, queria chocar os bem-comportados, sacudir-lhes os ombros, e não media palavrões para agredir os puritanos. Pois ela, sem se importar com as palavras "de baixo calão" (afinal, costumava ouvi-las todas às noites justamente dos bem-comportados e dos puritanos), atravessou-as com a maior naturalidade e se deteve no cerne da mensagem, que elas conheciam na própria pele: a denúncia da desigualdade de gêneros, o farisaísmo, a opressão, a repressão.

Maria Loura estabeleceu as "medidas de exceção" que achou compatíveis com a ocasião solene: a primeira delas foi a ordem expressa para que nenhuma de suas meninas trabalhasse naquela noite, o que desmontou a imagem que tinham me dado, de que elas fossem extremamente interesseiras e mercenárias. Aquelas, se fossem, teriam aproveitado muito a chance de triplicarem os lucros pela grande freguesia interessada nelas, já que o programa era insólito na cabeça dos homens: compre um livro e leve uma menina... Una o útil ao agradável. Porém todas disseram não. Trabalho, naquela noite, só de garçonetes, servindo as mesas com bebidas e tira-gostos... Depois, Maria Loura continuou me surpreendendo quando não aceitou o percentual da venda do livro, combinado anteriormente. Alegou que o consumo de comes e bebes fora mais do que suficiente, lucrara com isso e, principalmente, com a propaganda; por fim, no final da noite, ainda se sentou com suas meninas e varou a madrugada me contando histórias, de alegria, de dor, de decepção, de esperança, e todas me tocaram profundamente, mudando em muito a imagem que eu tinha da "profissão mais antiga do mundo"....

Tenho um carinho especial ao lembrar-me deste lançamento, e o considero como sendo o melhor que já tive em minha vida.

Ao pensar em Maria Loura e nas mulheres do Cabaré Estrela do Oriente muitas vezes me veio à mente a letra de Chico Buarque de Hollanda, "Umas e Outras", na qual uma freira e uma prostituta cruzam a mesma rua: "Mas toda santa madrugada/ quando uma já sonhou com Deus/ e a outra, triste namorada,/ coitada, já deitou com os seus,/ o acaso faz com que essas duas,/ que a sorte sempre separou,/ se cruzem pela mesma rua/ olhando-se com a mesma dor"... Não se trata de uma comparação, óbvio, porque nenhuma das escritoras era freira, nem “perdidas”; mas, sem dúvida a conexão e a analogia aproximativa são visíveis: mesmo com vidas tão diversas, porém com tantos sentimentos conflitantes em comum provenientes de uma sociedade patriarcal desigual, manipuladora e autoritária, nos reconhecemos plenamente naquela noite, naquela mesma rua, olhando-nos (poeticamente) com a mesma dor e com a mesma com/paixão pelo mundo.

                                                  Leila Míccolis

domingo, 22 de janeiro de 2012

POSIÇÃO


    Injustiça e veneno
    é dizer que só me deito sobre os louros.
    Também sob os morenos...

                    Leila Míccolis

    D
    o livo: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

sábado, 21 de janeiro de 2012

ORAÇÃO INFANTIL

 
(Ciclo infantil)
         
         Quando vem gente conversar com meus pais
         eles não me batem;
         sorriem muito pra mim,
         falam num tom bem baixinho,
         me enchem de tanto carinho,
         não me botam de castigo
         não ralham nunca comigo
         e até minhas traquinadas
         viram "excesso de energia"...
         Por isso, Senhor, dai-me, ao menos,
         uma visita por dia...



                                                        Leila Míccolis

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

NEM FREUD EXPLICA...

 
Apesar de tanta ânsia
só conseguimos nos amar,
à distância...
                             Leila Míccolis

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

NAMORO À ANTIGA ou SAUDOSA MALOCA...


Namoro antigo: titia
na sala bordando um pano,
tomava conta, e ainda havia
entre nós dois... um piano...


Pra se mostrar, a vigia
tocava um rondó cigano,
tão mal, que ela enrubescia,
se rias de algum engano...


Por fim, como despedida,
a mais ousada bravata:
um beijo na minha tez.


E após a tua saída,
eu, titia e mais a gata,
surubávamos as três...



                    Leila Míccolis

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Intuição


    Ter nas pessoas
    a confiança dos gatos,
    que fecham os olhos
    e esticam o pescoço,
    na certeza do carinho.

    Leila Míccolis
                                                 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

CARNAVAL

 

Foi criança, cresceu,
casou, cuidou da casa, seu marido morreu,
deixou seis filhos,
trabalhou para mantê-los,
perdeu quilos,
mas a recompensaram pelos danos:
agora por três dias, todo ano,
torna-se a Miss-Velhice lá do Asilo.
                    Leila MíccolisDo livro: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1998, RJ

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

ESTABILIDADE


Vivemos como casal:
você trabalha demais,
me sustenta,
proíbe isso e aquilo,
exige a casa arrumada,
quer almoço à uma hora,
o jantar às sete e meia,
sobremesas variadas...



Com teus caprichos concordo,
e por vingança, te engordo.



                     Leila Míccolis

domingo, 15 de janeiro de 2012

NO MATO COM CACHORROS

 
Viver no interior de uma cidade nem sempre é viver em um campo. Campo, como o nome diz é campo: "terreno extenso e mais ou menos plano que tanto se pode destinar às pastagens do gado como ao cultivo agrícola" - segundo o Dicionário do Aurélio. É certo que nas cidades do interior ainda há muito mais campos, mas um não pressupõe o outro.
Aqui, em Maricá, podemos dizer que moramos em uma área rural (embora nosso IPTU seja cobrado como área urbana, para que o contribuinte pague mais): a estrada não é asfaltada e há mais bois e cabras no caminho do que gente passando. Também temos boa área para plantar e colher. No entanto, nem tudo é um mar de rosas - aliás, mar é o que não existe por perto, estamos na parte montanhosa de Maricá: há mosquitos, pernilongos, cobras, lagartos e lagartixas, camaleões, moscas, sapos, rãs, pererecas e outros insetos, bratáquios e répteis de maiores ou menores proporções.

A mudança do Rio para Maricá foi difícil, a ponto de eu fazer um livro de poesia "Sob o Céu de Maricá" para exorcisar as calamidades cotidianas da vida campestre... Após oito anos, já vejo a vida no campo com outros olhos, até por causa de nossos animais, que, embora dêem muito trabalho, nos dão também muitas alegrias: são mais de 35 gatos, quase 20 cachorros, além de patos, marrecos, perus, galinhas, porquinhos da índia, pavões, e uma porca (chamada Bolívia). Também existe um gambá, que mora debaixo da escada que vai dar na piscina. Muitas vezes micos nos visitam, pulando entre as árvores, alguns morcegos, bichos-paus (lindos), louva-deus, e, diariamente pirilampos, borboletas (brancas, azuis, amarelas) e, naturalmente, colibris, sempre apressados e nervosos. Um mini-zoológico bastante variado. Aqui, não matamos nenhum animal, nem mesmo baratas, embora Joana, a gata caçadora corra atrás de todos os bichos menores que ela, e, se não conseguimos salvá-los a tempo, era uma vez. Quanto à plantação, temos muitas árvores frutíferas, uma hortinha gostosa com pimenteiras carregadas, bonsais que, plantados na terra, viraram árvores magníficas, e um papiro, de que eu gosto muito, além de congéias, ipês, mulungus, casuarinas (ainda pequenas), e um orquidário - passatempo predileto do Urhacy - com espécies nativas raras, inclusive.

Gosto de Maricá: a natureza tanto na parte do mar quanto na da montanha é exuberantemente bela, e a qualidade de vida é outra - embora a infra-estrutura seja péssima (incrível, porque fica distante de Niterói apenas vinte minutos, e do Rio, apenas a quarenta) e haja também enorme carência de pessoas interessantes (também porque falta teatro, cinema e até internet a cabo aqui na "periferia" - o cabo só vai na área mais central de Maricá). No entanto, aos poucos, os escritores descobrem Maricá - a Simone Salles já mora aqui, o Flávio Machado está vindo também - e mudam, com seus pensamentos a geografia da cidade.

Maricá? A maioria das pessoas da "capital" acha o fim do mundo, e não entende até hoje, como pessoas artistas (leia-se "civilizadas") podem morar no meio do mato (e com tanto cachorro...). Para elas, atravessar quinze minutos de ponte Rio-Niterói e andar mais vinte na estrada é inconcebível, embora levem muitas vezes mais de uma hora para fazer o trajeto da Barra da Tijuca até Ipanema... Ao contrário do que pode parecer de início, esse maior isolamento faz com venham para cá apenas os amigos, para os quais a distância nunca foi obstáculo ou pretexto para se afastarem de nós. Salve portanto Maricá, com seus aprendizados e colheitas-lições diárias de vida.
Leila Míccolis

sábado, 14 de janeiro de 2012

DESCRÉDITO

Se me perguntam:
— “Escrever pra TV, rende?”,
respondo: “Depende
dos créditos”,
— aquelas letrinhas em que aparece
o nome da gente
no começo ou no final,
dependendo do canal.
A gente briga pra tê-los,
pra vê-los nas novelas, seriados
e acaba pirado
porque escritor não tem crédito
nem em Banco,
já que o saldo é sempre manco
e ninguém credita nada.
Ê profissãozinha desacreditada...

                 Leila Míccolis
Do livro Sangue Cenográfico, Ed. Blocos, 1997, RJ

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

MARINHAS



(três fragmentos)


Com tanto lixo a boiar,
— Caymmi que me perdoe —
é triste morrer no mar.



De tralha, coisa velha e porcaria
o mar virou um baú:
as gaivotas cederam a vez
aos urubus.



E as sereias e as iaras que cantavam
para os homens atrair,
hoje, em coro, só apelam
para que as tirem dali.



      Leila Míccolis

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

MERA COINCIDÊNCIA

    Fonte da imagem:
     http://blogclickae.blogspot.com

    Quando ela o viu
    perto do poste da praça,
    belo espécime da raça,
    notou semelhança extrema
    com um artista de cinema.
    Mas não achava com quem
    se parecia o seu bem.
    Hoje dentro do drive-in
    lembrou do galã enfim,
    cara d’um, focinho d’outro:
    pois não é que o seu garoto
    é o sósia do Rin-Tin-Tin?...


                           Leila Míccolis

    Do livo: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

MEU MANUAL DE MANUEL

                                           Retrato de Manuel Bandeira por Cândido Portinari


Faltou luz a tarde inteira
e eu não pude ligar o micro.
Então, fui reler Bandeira:
Poética, A Canção do Beco,
Teresa, Arte de Amar, Martelo,
Neologismo, Carta do meu avô,
Preparação para a Morte...
Pensão familiar...

Ele rimava porque queria rimar,
não porque precisasse:
cada verso seu
é uma obra completa.
O poeta
era a própria Passárgada,
o amigo, o rei
e até mesmo a filha
— amante da Poesia.

Teria conhecido Cuzco, como desejava?
Parou de tossir?
Parou de morrer?
Se voou para os céus dos passarinhos
já deve ter se encontrado com Mozart,
com Irene,
com o balão que subiu
e não caiu na Rua do Sabão...

Fim do dia, meu poeta.
Lá fora, os Sapos, mesmo não lendo tua obra,
declamam dentro do mato:
— “Não foi!” — “Foi” — “Não foi”...
(Ou são cãezinhos bebendo água:
Cloc... cloc... cloc... ?)

Com um toque,
fecho o livro, não há mais luz pra leitura,
mas continuo lembrando a textura
dos teus versos
tão imensos, tão imersos
nos movimentos do mundo.
E mesmo no escuro de uma noite como esta,
sem lua, sem estrelas,
só com pirilampos cansados e apagados,
você brilha,
Manuel.
Belo belo.

              Leila Míccolis
Do livro: Poetas 2000, org. Mônica Banderas, Ed. Blocos, 2002, RJ

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

MOVI(ES)MENTO


a Mélies e a Lumière
No começo era o Verbo
e a Luz se fez.
Mas ao Homem isto não satisfez;
tanto que, tempos depois,
juntou os dois numa magia sincrética e suprema:
criou o Cinema...
Leila Miccolis

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Identidades


    Papai era,
    mal comparando,
    uma dama da noite:
    volúvel e boêmio
    sumia às vezes
    meses
    (enquanto lhe pagassem tragos
    batia asas).
    E mamãe ficou sendo
    o homem da casa.


                               Leila Míccolis 

domingo, 8 de janeiro de 2012

DIFERENÇA

 
(Ciclo infantil) 
Meu mundo é violento e com razão:
na rua, se eu apanho, é covardia
em casa, se eu apanho, é educação...
Leila Míccolis

sábado, 7 de janeiro de 2012

Demagogia

Nas fases ruins,
nas horas de amargar,
tem quem hipoteca solidariedade,
em vez de dar.



     Leila Míccolis

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

B(E)AUDELAIRE

                                                            Retrato de Baudelaire por Deroy

Baudelaire
est Baudel'aire
et   Baudel'air
pour moi.
                 —  Saravá, mon père!
                                     Saravá!


Leila Míccolis

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Buraco negro



Em vez de se iluminar
o Homem insiste em brilhar.
 
Leila Míccolis
Do livro: "Sangue Cenográfico", Ed. Blocos, 1997, RJ

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

CARTÃO-POSTAL

 
Nutrem-se os subnutridos
com restos servidos
em pirex coloridos.

               Leila Míccolis

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

CLIMA DE MONTANHA


    Não há poluição
    nem manhãs foscas.
    Só moscas.

                    Leila Miccolis 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Confissão


Dizem que o amor é cego,
não nego,
por isso te abro os olhos:
não tenho bens nem alqueires,
eu não sou flor que se cheire,
nem tão boa cozinheira,
(bem capaz que ainda me piches
por só comer sanduíches),
minha poesia é fuleira,
tenho idéias de jerico,
um cio meio impudico
como as cadelas e as gatas,
às vezes me torno chata
por me opor ao que comtemplo,
sei que sou péssimo exemplo,
por pouca coisa me grilo,
talvez por mim percas quilos,
eu não sei se valho a pena,
iguais a mim, há centenas,
desejo te ser sincera.
Mas no fundo o amor espera
que grudes qual carrapicho:
são tão grandes meu rabicho
e minha paixão por ti,
que não estão no gibi...
Ao te ver, viro pamonha,
sem ação, e sem vergonha
o meu ser inteiro goza.
Por isso, pra encurtar prosa,
do teu corpo, cada poro
eu adoro adoro adoro...
 
                            Leila Míccolis
Do livro: "Sangue Cenográfico", Blocos, 1997, RJ

domingo, 1 de janeiro de 2012

Aniversariam comigo em 1º de Janeiro!!!

  • Frank Langella (1938)
  • Kathleen Casey (1946)
  • Kala Sosefina Mileniume Kauvaka (2000)
  • J. Edgar Hoover (1895)
  • Robert N. Cronk (1924)
  • Paul Revere (1735)
  • Shelda Kelly Bruno Bede (1973)
  • J.D. Salinger (1919)
  • Xavier Cugat (1900)
  • Antonio Carlos Pires (1927)
  • Barry Goldwater (1909)
  • Verne "Mini-Me" Troyer (1969)
  • Drauzio Varella (1943)
  • Betsy Ross (1752)
  • Maria Della Costa (1926)
 
As pessoas nascidas neste dia são do signo capricórnio.
  • Elemento: Terra
  • Planeta Regente: Saturno
  • Metal: Chumbo
  • Pedras Preciosas : Diamante, Ônix, Jaspe
  • Perfume: Terra Molhada
  • Plantas e Flores : Hera, Macieira, Cardo Azul
  • Animais : Tartaruga, Cabra  
  • Países ou Regiões : Bulgária, México, Índia
  • Cores : Castanho, Preto
  • Anatomia: Dentes, Ossos, Pele
  • Dia mais energético: Sábado
  • Palavra que o define: Durabilidade
  • Verbo: Nós Realizamos
  • Atrações: Touro,Virgem, Escorpião
  • Caracteristicas positivas: Organizado, Prático, Austero, Prudente, Perseverante
  • Caracteristicas negativas: Misantropo, Restritivo, Avarento
  • Cruz: Cardinal
  • Polaridade: Feminino
  • Planeta de Exílio: Lua
  • Planeta de Exaltação: Marte
  • Planeta de Queda: Júpiter
  • Signo Anterior(Localização): Sagitário
  • Signo Posterior(Localização): Aquário
  • Representação Animal: Cabra
  • Estação: Inverno
Inverno? Nunca!!!!!!!!!! Aí, meu leão ascendente (um signo solar) fala muito mais alto. Sou verão sempre!
Também nada a ver tartaruga e eu... 
Agora, quanto à cabra, vejam abaixo:



EVOLUÇÃO 
Meio cabra para escalar montanhas,
meio peixe para imergir profundezas.
Do mar abissal — ancestral
(limo, sal e correntezas) —
até à terra: empreitada
de bilênios de escalada,
e de íngremes conquistas,
estrada em busca da vista
que só do alto se avista...
     Leila Míccolis

VI Encontro Nacional do Mulherio das Letras - Rio de Janeiro

VI Encontro Nacional do Mulherio das Letras. Participação especial entre as Mulherageadas: Rui de Habeurim de 18 a 22 de Outubro...