sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

POESIA COMENTADA

poemundo

SANTO NOME EM VÃO

o ruim de ser povo
é avalizar um empréstimo novo
em Calcutá
sem nunca ter ido lá.

Ulisses Tavares

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Ulisses é companheiro de jornada há muitos anos, uma pessoa muito querida, também porque me identifico bastante com sua poesia; e este poema que estou postando  hoje, considero uma aula de política no melhor estilo, ou seja: do jeito mais simples… Ferino observador dos atos humanos, sua crítica aguçada e sempre muito atual. O livro do qual consta Santo nome em vão (aqui, nada a ver com Deus, mas com o povo da Terra) é O Eu entre nós (de 1979, Edições Pindaíba, do próprio autor), de trinta anos atrás… A velocidade das mudanças nos parece tão rápidas, para determinados fenômenos e, infelizmente, há “manobras políticas” que não mudam, principalmente em tempos de globalização. Este poema faz-me lembrar o brilhante (e saudoso) sociólogo brasileiro Octavio Ianni, quando ele afirma que a crise do Estado-nação, derivada das nações terem se tornado “demasiado pequenas como unidades de comércio e demasiado grandes como unidades de administração”, faz com que reflitamos na trágica constatação, também dele, de que “os consórcios não têm pátria”.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Do siso ao riso ou Pisei no rabo do gato


Uma vez foram perguntar ao grande cineasta Fellini, o que ele achava da frase que seu feroz rival Visconti afirmara, bombástica e provocativamente: "Todo mau diretor tinha o nome terminado em "INI". Fellini riu gostosamente e revidou com bom-humor: — “Isto só pode ser coisa do Viscontini"...

O episódio me veio à tona quando, há algumas semanas, ouvi alguém parodiar a mesma frase do italiano, só que se referindo a um diretor de televisão brasileiro... Alfinetadas (alheias) à parte, acho o humor essencial nas respostas, no trabalho e principalmente nas artes. Desde criança ouvimos dizer: "muito riso é sinal de pouco siso". Portanto, de alienação, de imaturidade. Começamos desta maneira nosso aprendizado para a tristeza: mas, por quê tem que ser assim?

"O Nome da Rosa", de Humberto Eco, gira em torno de um livro filosófico (extremamente sério) que debatia justamente o riso. É que este, afrouxando a rigidez, exerce uma crítica antiformalista e propicia um desmoronamento de dogmas, o que — para os ascetas moralistas — levaria ao caos. Mais do que ameaça, um perigo mortal.

Há risos de zombaria, de desdém, de pretensa superioridade, de falsidade, e vários outros intencionalmente destrutivos; porém rir, ato exclusivamente humano — como a fala —, não pode ser considerado um mal em si. No ocultismo, o riso é força poderosa contra certos feitiços (lá vem cinema de novo: lembram-se, das Bruxas de Eastweek?). No cotidiano, ele relaxa toda a musculatura e predispõe a pessoa a desamar-se, ou, como diria Reich, a destensionar sua armadura corporal. Nietzsche afirmou: "não acredito num homem que não saiba rir".

No Brasil, reaprendemos a rir em um período paradoxalmente muito mal-humorado (talvez e principalmente por isso). A partir de 1964, sobressaíram o humor negro dos cartuns, o humor corrosivo das charges, dos quadrinhos, das tiras, do FBAPA (Festival de Besteira que Assola o País, através do livro de autoria do jornalista Sérgio Porto). Esta prática também atingiu a poesia, conforme expôs Nicolas Behr, um dos representantes da Geração Mimeógrafo: "Sarcasmo sempre foi fundamental. Só ele tira este ranço de capitanias hereditárias e acaba com o discurso e com a retórica na poesia". Leminski também fala de "RIR", como característica desta poesia que estreitou parentesco com o humor, em geral considerado "estilo menor" em relação à poesia séria e intimista.

É compreensível, em uma sociedade que privilegia mais a sobrevivência do que a vivência, que o riso, a alegria, a busca do bem-estar assuste e por vezes seja até condenada; mas já é tempo de entendermos a revolução do riso, vendo-o como uma postura lúdica saudável, e até terapêutica, em vez de exaltarmos uma vida doentiamente carrancuda e desprazerosa, embebida exclusivamente em lógica formal, mantida em formol.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

POESIA COMENTADA



 







MUITO ÍNTIMO A UM FILHO

O épico morreu 
mas em toda a parte
há um número de heróis
que não sei meu filho

se escrevo a verdade.

Almir Castro Barros

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Este poema abre o segundo capítulo do meu livro: "Passagem para Calabar" (ABL/Topbooks, 2009), RJ, o que evidencia o quanto eu gosto dele. Desde o meu Mestrado na UFRJ (e agora em minha Tese de Doutorado) venho me debruçando sobre o  gênero épico (principalmente o patético), remando contra a vasta corrente que pensa e age como se o épico estivesse definitivamente morto e enterrado. Com a volta do trágico na sociedade contemporânea, percebo que o épico acordou de sua hibernação, está vivíssimo e atuante, mesmo que as epopéias e os heróis tenham se transformado bastante.
O poema de Almir Castro Barros, extraído do livro "Cães de sina" (Edições Pirata, Recife/PE, 1979), aborda justamente essas duas correntes críticas: de um lado, a que decreta a extinção do épico, e, do outro, a que duvida dessa afirmação categórica defendendo sua sobrevivência, até por acreditar que quando uma nação não souber mais narrar sua história, ou perder sua capacidade de contar sagas, está em vias de extinção. Embora não queira aprofundar-me neste debate aqui — meu intuito é apenas apresentar a  poesia de Almir —, deixo no ar a indagação do porquê termos, hoje em dia, tanta dificuldade em assumir nossa vivência patética, e em perceber o lado épico dentro do contexto de nossa própria saga pessoal: por quê será que sentimos certa nobreza no lírico e no dramático, mas só relacionamos o patético à conotação negativa, sem entendermos as paixões que nos movem cotidianamente?

VI Encontro Nacional do Mulherio das Letras - Rio de Janeiro

VI Encontro Nacional do Mulherio das Letras. Participação especial entre as Mulherageadas: Rui de Habeurim de 18 a 22 de Outubro...