Viver no interior de uma cidade nem sempre é viver em um campo. Campo, como o nome diz é campo: "terreno extenso e mais ou menos plano que tanto se pode destinar às pastagens do gado como ao cultivo agrícola" - segundo o Dicionário do Aurélio. É certo que nas cidades do interior ainda há muito mais campos, mas um não pressupõe o outro.
Aqui, em Maricá, podemos dizer que moramos em uma área rural (embora nosso IPTU seja cobrado como área urbana, para que o contribuinte pague mais): a estrada não é asfaltada e há mais bois e cabras no caminho do que gente passando. Também temos boa área para plantar e colher. No entanto, nem tudo é um mar de rosas - aliás, mar é o que não existe por perto, estamos na parte montanhosa de Maricá: há mosquitos, pernilongos, cobras, lagartos e lagartixas, camaleões, moscas, sapos, rãs, pererecas e outros insetos, bratáquios e répteis de maiores ou menores proporções.
A mudança do Rio para Maricá foi difícil, a ponto de eu fazer um livro de poesia "Sob o Céu de Maricá" para exorcisar as calamidades cotidianas da vida campestre... Após oito anos, já vejo a vida no campo com outros olhos, até por causa de nossos animais, que, embora dêem muito trabalho, nos dão também muitas alegrias: são mais de 35 gatos, quase 20 cachorros, além de patos, marrecos, perus, galinhas, porquinhos da índia, pavões, e uma porca (chamada Bolívia). Também existe um gambá, que mora debaixo da escada que vai dar na piscina. Muitas vezes micos nos visitam, pulando entre as árvores, alguns morcegos, bichos-paus (lindos), louva-deus, e, diariamente pirilampos, borboletas (brancas, azuis, amarelas) e, naturalmente, colibris, sempre apressados e nervosos. Um mini-zoológico bastante variado. Aqui, não matamos nenhum animal, nem mesmo baratas, embora Joana, a gata caçadora corra atrás de todos os bichos menores que ela, e, se não conseguimos salvá-los a tempo, era uma vez. Quanto à plantação, temos muitas árvores frutíferas, uma hortinha gostosa com pimenteiras carregadas, bonsais que, plantados na terra, viraram árvores magníficas, e um papiro, de que eu gosto muito, além de congéias, ipês, mulungus, casuarinas (ainda pequenas), e um orquidário - passatempo predileto do Urhacy - com espécies nativas raras, inclusive.
Gosto de Maricá: a natureza tanto na parte do mar quanto na da montanha é exuberantemente bela, e a qualidade de vida é outra - embora a infra-estrutura seja péssima (incrível, porque fica distante de Niterói apenas vinte minutos, e do Rio, apenas a quarenta) e haja também enorme carência de pessoas interessantes (também porque falta teatro, cinema e até internet a cabo aqui na "periferia" - o cabo só vai na área mais central de Maricá). No entanto, aos poucos, os escritores descobrem Maricá - a Simone Salles já mora aqui, o Flávio Machado está vindo também - e mudam, com seus pensamentos a geografia da cidade.
Maricá? A maioria das pessoas da "capital" acha o fim do mundo, e não entende até hoje, como pessoas artistas (leia-se "civilizadas") podem morar no meio do mato (e com tanto cachorro...). Para elas, atravessar quinze minutos de ponte Rio-Niterói e andar mais vinte na estrada é inconcebível, embora levem muitas vezes mais de uma hora para fazer o trajeto da Barra da Tijuca até Ipanema... Ao contrário do que pode parecer de início, esse maior isolamento faz com venham para cá apenas os amigos, para os quais a distância nunca foi obstáculo ou pretexto para se afastarem de nós. Salve portanto Maricá, com seus aprendizados e colheitas-lições diárias de vida.
Leila Míccolis
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