quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O MICRO E EU

                                      
Minha relação com o micro foi sempre a de atração e rejeição; não por medo da modernidade, mas porque, como boa capricorniana, sempre sondo primeiro antes de confiar por inteiro. Meu parceiro da novela "Kananga do Japão", Wilson Aguiar Filho, maravilhado com o seu computador, me dizia entusiasmado: "quando você tiver o seu, não vai querer saber de mais nada". Longe de ser convencida com este argumento, ao contrário, me calava, achando aquilo uma ofensa velada à minha máquina de escrever eletrônica — aquela grande, cheia de "margaridas" para mudar os tipos de letras, e teclas de atalhos para executar comandos. Até que eu me animei, com "Barriga de Aluguel", devido a um motivo muito simples: estava ficando caro demais manter a máquina eletrônica, principalmente pela borracha que acabava muito rapidamente...

Quando o micro chegou em minha vida achei até que a adaptação foi fácil quanto ao teclado de digitação. O pior era criar um arquivo e salvar... Eu escrevia todos os passos (que eram apenas quatro ou cinco) em um caderno, tudo explicadinho. Na hora de fazer, salvava tudo errado. Nestas horas, meu amigo, que pacientemente me ensinava, ficava horas pelo telefone me teleguiando à distância para me ajudar a descobrir onde eu salvara o arquivo perdido, sempre nos lugares mais loucos do mundo, ou melhor do micro, óbvio.

Uma vez, ainda neste estágio preliminar, perdi uma peça de teatro que eu estava criando. Do primeiro arquivo deletado a gente não esquece... A peça se chamava "Fora de Forma" e eu não tinha "backup", aliás,  foi a primeira vez que fui apresentada a um arquivo de segurança, pena que justo em meio a uma situação tão dramática (e a peça era uma comédia...).

Fiquei muito magoada com o micro, porque achei que a culpa era dele, eu não tinha feito nada demais. Ele é que estava a fim de atrapalhar o meu trabalho. Então, lembrei-me dos filmes em que o computador tinha vontade própria e por um bom tempo (alguns minutos) considerei-o um inimigo. E ele agiu assim, realmente. Quando eu estava trabalhando na reformatação da "74.5 - Uma onda no ar" para a TV portuguesa, ele literalmente "explodiu". Fiquei três dias trabalhando com um dos micros da produtora e, quando o meu chegou do conserto, veio com um rombo na "placa mãe". Disseram que, para consertá-lo direito, levariam muito tempo (na verdade, como era a produtora independente quem estava pagando o conserto, ela disse para fazer o micro funcionar rápido, e os técnicos fizeram apenas um "gatilho" provisório). No entanto, a partir daí, ao ver meu computador, mesmo combalido e fraco, quase sem memória, esforçando-se para cumprir suas tarefas (às vezes dezoito horas seguidas de trabalho), sem "esmorecer", sem pifar, sem me deixar na mão, comecei a gostar dele: o danado era resistente como eu, tínhamos garra... na primeira manifestação de simpatia de minha parte, ele recolheu as garras e eu  baixei a guarda.

Vários anos se passaram desde então. Neste exato momento, confesso que não poderia viver sem ele, ou melhor, abandoná-lo seria tão triste quanto me separar de um ente querido — e atentem para o detalhe de eu tê-lo chamado de "ente"...  —,  principalmente depois que nós, eu e Urhacy,  instalamos a internet (desde julho/96), construímos um site cultural, Blocos (http://www.plugue.com.br/blocos) e fizemos muitos amigos. A última da internet foi tão fantástica que quero partilhar com vocês: em agosto de 1984, no dia do enterro de meu pai, soube da existência de uma irmã (também filha dele). Depois deste dia, nós nos mudamos, e nos perdemos. Há duas semanas, ela me reencontrou pelos mecanismos de busca da internet, há mais de dez anos mora nos Estados Unidos. Todos os dias temos falado durante horas, pelo ICQ. E eu, que sempre fui criada como filha única, de repente vejo-me com sobrinhas e com a alegria de já ser, até, tia-avó... Parece trama de novela de televisão, mas é vida real.

Tanta emoção devo ao meu querido computador, esse amigo maravilhoso amigo de todas as horas — de diversão, conversas, jogos, informações e trabalho. Agora, sendo considerado como tal, ele me premia, retribuindo em dobro toda a felicidade que sinceramente lhe desejo. Portanto, se você ainda está na perigosa fase de atração e rejeição pelo seu micro, ultrapasse-a logo: descarte a primeira parte e fique com a segunda. Para o bem dos dois. E de todos.
Leila Míccolis


Texto publicado no Caderno de Informática do Estado de São Paulo, fls. 2, em 06/04/98

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